O retrato é semelhante ao que foi feito pelo próprio JD Vance no seu livro de memórias Hillbilly Elegy sobre o seu crescimento numa cidade onde o rendimento médio é 25 mil dólares mais baixo do que a média nacional. Criado pelos avós, a quem chamava Papaw e Mamaw, conseguiu subir na vida até se tornar investidor de risco, apesar da violência na relação entre o padrasto e a mãe, que viria a desenvolver um problema com drogas. Graças ao salário do avô na Armco, teve alguma estabilidade na infância: “Para os meus avós, a Armco foi uma salvadora económica — o motor que os trouxe das montanhas do Kentucky para a classe média da América”, resumiu no livro. O declínio industrial, entretanto, impactou todo o resto de Middletown, como o próprio descreve. O supermercado onde trabalhou em adolescente, o Dillman’s, já não existe, por exemplo. É agora uma Dollar General, loja da cadeia de supermercados nacional que vende produtos a baixo custo.
Quando Hillbilly Elegy foi publicado, Vance — que deixou Middletown para ir para o Exército, esteve no Iraque e acabou por entrar em Yale — foi catapultado para o reconhecimento público. O seu retrato franco e desarmante sobre as origens da família e o local onde cresceu fizeram do livro um fenómeno, com muitos a considerarem que ajudava a explicar a viragem das classes trabalhadoras do Partido Democrata para Donald Trump. À altura, Vance não gostava do candidato — chegou a compará-lo a uma droga que entorpecia os seus antigos vizinhos; hoje, é o seu candidato a vice-presidente.
Para a maioria dos habitantes de Middletown com quem o Observador se cruzou, isso não é um problema. “Tenho esperança que se o JD for eleito nos possa ajudar. As pessoas na cidade estão felizes por ser ele, têm esperança”, resume Vera, antes de entrar um fornecedor com caixas de farinha e açúcar — “pode deixar aí, querido”, diz a pasteleira, indicando que só as vai arrumar mais tarde para poder continuar a conversar. “Vão ao jogo de hoje à noite da equipa do liceu?”, pergunta-nos. “Já sabem que o Serviço Secreto nunca anuncia aonde ele vai antes… Se tiverem sorte, ele ainda aparece!”
O jogo dos Middies, a equipa de futebol americano do liceu local, é só à noite, o que dá tempo de sobra para ir até à rua onde Vance cresceu: a McKinley Street, num bairro de classe média remediada, onde muitas das casas estão a precisar de obras e outras tantas estão claramente vazias.
Mike Watson é um dos poucos que comprou uma casa naquela rua — a maioria aluga por incapacidade financeira de dar uma entrada — e está no alpendre a cortar madeira, com uma serra elétrica, para a renovação que está a fazer no imóvel. O antigo camionista não quer ser fotografado, mas aceita falar sobre a cidade onde nasceu e para onde voltou agora na reforma. “Como a Armco foi comprada e se manteve aqui, o impacto não foi assim tão grande”, garante. “Agora, se tivesse saído, isto tornar-se-ia… Não digo uma cidade-fantasma, mas faria uma grande diferença.” A indústria atual, porém, já não tem a força de outrora e isso sente-se, apesar de o cheiro pouco agradável que está no ar indicar que ainda há uma fábrica de papel mesmo à beira da McKinley Street.
“Para ser honesto, os últimos quatro anos não foram bons. Decidir votar no mesmo e esperar que o resultado seja diferente é loucura. Estou a rezar para que haja uma mudança”, confessa Mike. JD Vance, explica, pode ser o rosto desse mudança, talvez até mais do que Trump. Ao contrário da maioria “dos políticos nos EUA, que vêm de famílias com dinheiro”, explica, “Vance cresceu numa pequena cidade, o que molda uma pessoa”. “É jovem o suficiente para não ter esquecido as suas raízes”, sentencia.
A antiga casa onde JD Vance cresceu fica uns poucos números ao lado. Azul clara, tem as janelas fechadas, porque os atuais inquilinos não estão em casa. Mesmo em frente há um parque com um pequeno court de ténis, baloiços e um campo de basquetebol. Em Hillbilly Elegy, Vance escreve que, à medida que crescia, notou que “as linhas do court de ténis esbatiam-se a cada mês e a cidade deixava de tapar os buracos ou de substituir as redes dos cestos de basquetebol”. Hoje em dia, o Miami Park parece mais bem cuidado — mas está completamente vazio, apesar de a esta hora os miúdos já terem voltado das aulas.