Um díptico em que o cenário da Sala Gasparini do Palacio Real se assume como terceiro protagonista. Se cada modelo posa em separado, é juntos que se devem ser colocados e vistos. Na imagem dividida em duas, Felipe VI surge com o uniforme militar de Capitão General do Exército Espanhol, enquanto Letizia com um longo vestido negro Cristóbal Balenciaga, uma criação vintage pertencente a uma coleção particular que a consagra em definitivo. Depois de nove meses de espera, “como a chegada de um bebé famoso”, esta terça-feira foi por fim apresentado ao público o novo retrato oficial dos Reis de Espanha, da autoria de Annie Leibovitz.
A obra, de grande formato, foi revelada às 13h00 locais (menos uma em Portugal continental) pelo Banco de Espanha, um dia depois de os meios de comunicação espanhóis terem tido acesso a um preview da imagem, adiantando alguns detalhes sobre o mais recente passo de uma tradição que remonta a 1782 — quando o Banco de San Carlos, um dos antecessores da atual instituição, começou a encomendar obras a artistas de renome para que os ocupantes do trono fossem imortalizados. Meticulosa, Annie e uma equipa de cinco elementos terão ensaiado as centenas de disparos em vários cenários, incluindo os exteriores, mas foram arrebatados pelos interiores do palácio para um resultado que assinala 10 anos de reinado (e 20 de união) dos retratados.
El gobernador del Banco de España inaugura en unos minutos la exposición “La tiranía de Cronos”, que incluye una selección de relojes históricos y los retratos de los Reyes encargados a la fotógrafa Annie Leibovitz. Más info???? #bdeExposición #bdeColección pic.twitter.com/6C8PCf7lxC
— Banco de España (@BancoDeEspana) November 26, 2024
Mais do que fotografias, parecem pinturas, são “muito pictóricas, envolventes, feitas sobre tela, impressas nos Estados Unidos e de uma única edição”, avançou aos meios espanhóis a curadora Yolanda Romero. Para esta sessão, a conhecida fotógrafa norte-americana, quis destacar os ambientes do palácio como mais um elemento de referência, inspirada, segundo a Hola, nos grandes mestres da pintura espanhola como Velázquez, onde a luz natural e o claro-escuro são uma das marcas. De notar também uma certa alusão aos retratos que Carmen Laffón fez do rei Juan Carlos e da rainha Sofia. A sala em questão, uma das mais belas do monumento, foi realizada durante o reinado de Carlos III, e chegou à atualidade praticamente sem intervenções.
Tanto Felipe VI quanto Letizia terão posado para este momento excecional em registos, e testado diferentes looks — a Rainha terá apenas alterado a combinação de acessórios, já que o vestido Balenciaga se manteve uma constante. No resultado final, o monarca surge de pé, repousando a mão sobre uma mesa. Separados por uma poltrona, Letizia apresenta-se com duas peças do conhecido lote de passagem, as joias elencadas pela rainha Vitória Eugenia que deveriam passar de rainha em rainha. Quanto a tiara, foi dispensada, ao contrário do que aconteceu na anterior comissão.
As mensagens por detrás dos novos retratos da família real espanhola
Segundo a revista Telva, Letizia e a stylist Eva Fernández decidiram-se por um vestido longo de tule do mestre espanhol da alta-costura (1895-1972), que se encontra exposto na Fundação Antoni de Montopalau, em Sabadell (Catalunha), e que acedeu no empréstimo para a sessão. Perfeitamente enquadrado nos cânones da realeza, Balenciaga incluiu na carteira de clientes as rainhas Victoria Eugenia e María Cristina — faltava arrebatar a consorte atual.
“Conforme confirmado por Josep Casamartina Parassol, cofundador, presidente e diretor da Fundação, este vestido pertenceu a Maria Junyent, sobrinha do pintor, cenógrafo e colecionador Oleguer Junyent, e outrora vizinha do atelier de Cristóbal Balenciaga em Barcelona. Foi o filho, Oleguer Armengol Junyent, que o doou à fundação em 2008. Quem poderia imaginar que dezasseis anos depois a Rainha Letizia o usaria no Palácio Real, imortalizando-o numa imagem que dará a volta ao mundo.”
A este design, que remota a 1948, junta-se outro detalhe precioso, identificado pela Mujer Hoy: a capa de gazar “cor de framboesa” que embrulha a Rainha “faz parte de um conjunto muito emblemático que pertenceu à Condessa de Torroella de Montgrí e Marquesa de Robert, María del Carmen Ferrer-Cajigal de Robert”. Conjunto esse que terá sido executado expressamente pela Balenciaga para o casamento de Juan Carlos e Sofia da Grécia, em 1962.
Tanto o diretora da fundação como a presidente e cofundadora, Anna Maria Casanovas Crusafon, e o resto da equipa, tiveram que manter o sigilo sobre o que usaria a Rainha na aguardada foto. Coube a Josep e ao curador Ismael Núñez viajarem para Madrid com as valiosas peças, sendo que “nunca abandonamos a roupa”. O responsável recordou ainda àquele meio que se instalaram num hotel, sem passar pela Zarzuela. Uma semana depois, as peças regressavam sãs e salvas à casa de partida, onde o acervo não tem parado de crescer, à conta de doações recentes de autênticas pérolas da alta-costura — não só Balenciaga.
Foi há quatro anos, em fevereiro de 2020, que a família real espanhola apresentou ao mundo novos retratos oficiais. Ao todo, dez imagens foram divulgadas naquela semana, entre as quais uma em que pela primeira vez a infanta Sofia posava sozinha. Entre a elegância e sobriedade, Letizia foi fotografada em três vestidos Carolina Herrera, e também se estreou então numa foto oficial a usar a tiara Flor de Lis — criada em 1906, pertenceu a Victoria Eugenia e foi a joia que Sofia usou na última aparição pública como rainha consorte. Todos os retratos tiveram assinatura de Estela Castro, fotógrafa particularmente conhecida por registar imagens pouco forçadas e com muita luz, na ocasião registadas no Palácio Real e no Palácio da Zarzuela.
Corria fevereiro deste ano quando o El Pais avançou que a conhecida fotógrafa passaria por Madrid para uma missão especial. Durante a conferência desta segunda-feira no Banco de Espanha, foi possível ficar a saber que a o encontro decorreu no dia 7 de fevereiro, e durou cerca de seis horas, das 11h00 às 17h00, com tempo para o almoço. Annie Leibovitz usou uma câmara digital para realizar estes retratos.
Annie Leibovitz vai fotografar os reis de Espanha
“A rainha chegou um pouco antes do rei e o ambiente estava descontraído”, explicou Romero. “Embora a sessão tenha sido intensa, também foi tranquila“, acrescentou, lembrando ainda que fotógrafa e fotógrafos se conheceram quando Leibovitz, de quem o casal confessou ser grande admirador, foi distinguida com o Prémio Príncipe das Astúrias 2013 na categoria de Comunicação e Humanidades.
A obra em causa custou 137.000 euros e os direitos de imagem serão divididos entre o Banco da Espanha e a autora. Foi a agente do artista, Karen Mulligan, que assinou o contrato em 23 de setembro de 2023. Segundo a Vanitatis, 20% desse valor foi entregue no momento em que foi acordado e 80% foi recebido com a aceitação final e entrega do trabalho.
Antes de seguirem para a sua morada destino final, a Sala do Conselho de Administração do Banco de Espanha, este díptico fará parte da exposição A Tirania de Cronos, que estará aberta ao público a partir desta quarta-feira e onde os relógios históricos que a instituição preserva podem ser observados pelos visitantes.
Das páginas moda ao desporto, das estrelas de Hollywood a Olena Zelenska, Leibovitz está longe de ser uma novata — até quando o assunto é a realeza. Em 2007, tornou-se a primeira norte-americana a assinar quatro retratos oficiais da Rainha Isabel II, encomendadas para celebrar a visita de Estado da soberana aos Estados Unidos, que coincidiu com os 400 anos de Jamestown, o primeiro local nas Américas onde os ingleses estiveram instalados. Três destas imagens, inspiradas no trabalho de Cecil Beaton, podem ser vistos no site da coleção real.