Ainda que não seja possível prever o futuro, são vários os especialistas que arriscam dizer já que a atual crise na habitação em Portugal vai continuar a agravar-se em 2025.
“Temos mesmo, e acho que é a grande lição dos últimos três, quatro anos, de acabar com esta ideia de que a situação tem um teto físico, que não pode piorar mais”, aconselha o economista Guilherme Rodrigues.
“Não há indícios de que haja abrandamento”, já que a reação do mercado nos últimos meses, mesmo com o pacote legislativo do Governo, resultou “numa aceleração do aumento de preços e não no oposto”, aponta o coordenador do mais recente estudo da associação Causa Pública, que concluiu que Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa.
Ricardo Guimarães, economista e sócio gestor da Confidencial Imobiliário, partilha da previsão.
O final de 2024 registou “um período de crescimento das transações e aceleração dos preços”, refere, recordando que “há muita pressão da procura e uma base reduzida de oferta”.
Preços da habitação subiram 9,8% no terceiro trimestre
Em 2025, os preços poderão “ter alguma estabilização, mas num valor elevado”, antecipa. “Quando dizemos que os preços estabilizam não é sinónimo de dizer que as casas ficam mais baratas”, distingue.
Por outro lado, o próximo ano deverá ter “um aumento relevante na produção de habitação”, o que “é uma boa notícia”.
Isto porque “há muitos projetos que foram adiados e que, com a redução dos juros e o aumento da procura, terão condições para vir para o mercado”, explica, estimando em “cerca de 50 mil” os fogos “relativamente prontos para sair”.
Porém, a questão é saber “até que ponto vai ou não ser viável que essa oferta (…) seja acessível”, porque “os fatores de custo mantêm-se muito rígidos e elevados”, sejam os solos, a construção ou a fiscalidade.
“Não é muito fácil imaginar que vá haver um aumento substancial de oferta acessível e, portanto, a crise, nesse sentido, não parece que (…) se vá desagravar no ano 2025”, estima.
Perante este cenário, recomenda, é necessário promover o mercado de arrendamento, “vítima de instabilidade, desde logo legislativa”.
Ora, nesta matéria, o que faz falta são “garantias”, resume o presidente da Associação Nacional de Proprietários, antecipando “zero melhorias” em 2025, desde logo porque “o Governo não ouve ninguém” e tem seguido o lema “quero, posso e mando”.
Como “as casas têm donos” seria “da mais elementar inteligência falar com os donos das casas” e ver o que se pode fazer, porque “habitações não faltam, há milhares e milhares de casas que estão vazias”, constata António Frias Marques.
Essas habitações sem gente levaram milhares às ruas já por duas vezes, em manifestações nacionais convocadas pela Casa Para Viver.
Envolvida nessa plataforma cívica, Rita Silva constata que “este ano foi de grande agravamento” no acesso à habitação, antecipando que “o problema só pode persistir”.
Acusando o atual executivo de estar “alinhado com os interesses da especulação”, a investigadora e ativista lembra: “Promoveu a revogação dos poucos avanços que tínhamos conquistado nas ruas, por exemplo, revogou algumas medidas restritivas ao AL [alojamento local], anunciou que vai repor os residentes não habituais, revogou os limites ao aumento das rendas ou o arrendamento coercivo.”
Além disso, e “uma vez que se recusa a regular o mercado”, as políticas que anunciou — incentivos fiscais e mais construção com parcerias público-privadas — “não resolverão a crise de habitação”.
Medidas como estas “não serão efetivas tão cedo, serão sempre para uma população diminuta e não respondem à crise estrutural que temos hoje”, considera.
Por isso, Portugal será, em 2025, um país onde aumentará a desigualdade social, “entre o luxo e as barracas”, prevê Rita Silva, antecipando “pessoas sem-abrigo a aumentar, os despejos silenciosos em escala, a autoconstrução, que volta a ser uma realidade para milhares de pessoas, que procuram uma barraca para viver, sem condições, com problemas de acesso à água, eletricidade e saneamento”.
O arquiteto Tiago Mota Saraiva partilha dessa “projeção não agradável”, recordando que “a habitação é sempre o reflexo de um problema social”, que não se resolve com a entrega da chave de uma casa.
“Podemos prever, desde já, com os dados que temos, que os preços vão aumentar muito mais, seja das rendas, seja da compra de imóveis”, assinala, criticando “a lógica de venda do património público” adotada pelo atual Governo.
“Este tipo de intervenção do Estado, num mercado que está ao rubro, com vendas astronómicas, com grande lucro para imobiliárias, vai fazer com que os preços, todos eles, venham para cima”, antecipa.
Por outro lado, no que respeita à habitação pública e aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o arquiteto assinala que a sua aplicação devia ser “menos burocrática e mais transparente”.
“Não é realista acharmos que não vamos correr atrás do prejuízo nas próximas décadas, porque estamos tão atrás e até porque, por si só, o setor da construção, das obras e tudo o mais tem outras coisas a acontecer no PRR”, assinala o economista Guilherme Rodrigues.