Mais de 15 anos depois, o Guia Repsol, o grande concorrente do Michelin, está de regresso a Portugal para atribuir sóis — ou soles, em bom espanhol — aos melhores restaurantes do país. O anúncio foi feito esta quarta-feira pela diretora do guia espanhol, María Ritter, no restaurante Canalha, de João Rodrigues, em Lisboa, que adiantou também que se prevê que a gala de entrega dos prémios aconteça em março ou abril de 2025, depois da cerimónia do Guia Michelin.
Foi quando chegou o momento de o guia espanhol passar do papel para o digital que a marca percebeu que era preciso parar e repensar o modelo. “E parámos. Vivíamos numa alta gastronomia muito valorizada mas não estávamos a chegar às pessoas, não emocionávamos“, afirmou María Ritter, acrescentando que o objetivo era colocar o Guia Repsol nas tendências, naquilo que é hoje a gastronomia.
“A ideia é ajudar a posicionar a gastronomia e o turismo. E é com essa mesma filosofia que estamos a trazer o guia para Portugal. E queremos um guia com alma portuguesa. Não queremos transportar tudo [de Espanha]. Queremos começar a sentir o cheiro do que está a acontecer aqui, poder tirar uma fotografia e que ela se mova com essa alma portuguesa”, explicou.
A intenção de o guia voltar para Portugal já tinha sido anunciada em março, durante a cerimónia de 2024 em Espanha, mas sem grande confirmação de que seria em 2025 que Portugal passaria a ter mais um guia gastronómico. Essa foi feita agora, com a confirmação também de que os inspetores já começaram, no segundo trimestre do ano, a trabalhar e a visitar restaurantes de norte a sul do país.
Essa equipa de inspetores — ou de “descobridores”, como prefere María Ritter — é composta por mais de 20 elementos, todos portugueses e locais da região onde atuam: “Porque conhecem a cultura gastronómica, porque conhecem os produtos, porque conhecem os cozinheiros. Trata-se de gerar comunidade, de valorizar a gastronomia e o turismo.” Para além disso, são também pessoas que não estão totalmente ligadas à gastronomia, não tendo negócios na restauração, e cobrem uma alargada faixa etária. “Temos desde os jovens aos mais velhos.”
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“O novo posicionamentos tem a ver com democratizar a gastronomia. Queremos descobrir e apoiar pessoas jovens que estão a fazer coisas diferentes, que saem da cidade. Temos também interesse em por o foco nas mulheres, faz falta dizer que estão aí”, explicou María Ritter em conversa com o Observador. Desta forma, também o método de avaliação mudou. Se antes eram avaliados os tipos de talheres e toalhas dos restaurantes, agora, o Guia quer avaliar outros detalhes da experiência gastronómica e de lifestyle, sem nunca descurar a parte gastronómica, claro.
“Começámos a pensar naquilo que levava as pessoas a irem a determinados restaurantes, o que gostavam, o que não gostavam, o que recomendavam, sobre o que escreviam. Fizemos um trabalho em que começámos a concetualizar a experiência gastronómica desde como se escolhe o restaurante. Se é através das redes sociais, se é porque se conhece o chefe, por exemplo, se aceitaram cartão de crédito ou não. Tudo o que está envolvido na experiência”, explicou, acrescentando: “E durante a refeição, para além da importância da gastronomia, a sala, a garrafeira, o local, coisas que, por exemplo, também tornam a experiência importante, como se há música alta, se há luz suficiente para tirar fotografias. Porque é isso que as pessoas estão a fazer hoje em dia nos restaurantes. E depois, o que é que as pessoas fazem, se recomendam, se não recomendam, se voltam a reservar.”
Tudo isto vai estar depois disponível digitalmente através de uma aplicação móvel que, com recurso a um mapa, vai apresentar todos os restaurantes do guia tanto por categoria — com um, dois ou três sóis — como por localização geográfica. O utilizador vai poder ver os estabelecimentos que estiverem mais perto de si e decidir qual visitar. Quanto à gala, essa está prevista para março ou abril do próximo ano e será fora dos grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto. “Queremos descentralizar”, afirmou María Ritter.
Em que se baseia a classificação por sóis? Um sol é atribuído a um restaurante com qualidade, com uma cozinha honesta e que se recomendaria a um amigo. Os dois sóis dão mais foco à técnica e à procura das melhores matérias-primas. Aqui o serviço já tem de ser irrepreensível e a cozinha tem de revelar maturidade, potencial e ambição para continuar a evoluir. Por fim, três sóis são o último destino da viagem: é um restaurante que oferece uma experiência única, que justifique fazer quilómetros para vivê-la. Além dos três sóis, o Guia Repsol atribui ainda os soletes a restaurantes mais quotidianos. Desta classificação podem entrar tascas ou bares, por exemplo.
À semelhança do Guia Michelin, anualmente, o Guia Repsol premeia os restaurantes de Espanha, promovendo diferentes roteiros, e atribuindo sóis — de um a três — em vez de estrelas. A marca já tinha apostado em Portugal durante os anos de 2000 a 2007, com uma versão impressa. Depois disso, e até 2015, o país passou a estar incluído no guia de Espanha, como acontecia também com o Guia Michelin até este ano, quando Portugal se estreou a solo numa cerimónia onde foram atribuídas cinco estrelas. O que distingue estes dois? “O Guia Michelin é internacional e o Guia Repsol é mais do território e para as pessoas locais. Mas vão bem juntas, no pasa nada”, afirmou María.