O casal alemão Nils Henning e Mila Suhareva trocou Maiorca por Lisboa para fundar a Casafari, uma plataforma que agrega e analisa dados do mercado imobiliário (como, por exemplo, a tendência de preços dos imóveis ao longo do tempo). Chegaram à capital portuguesa em 2017, lançaram a startup no ano seguinte e fecharam a primeira ronda de investimento, de cerca de cinco milhões de euros, em 2019. Seguiram-se um financiamento de 15 milhões de euros, captado em 2021, e “alguns empréstimos convertíveis”. No total, avança o CEO e cofundador em entrevista ao Observador, a empresa angariou “cerca de 30 milhões de euros”.
Esta quarta-feira, a Casafari revela que chegou a um acordo de financiamento (venture debt, um empréstimo enquadrado em capital de risco) de cinco milhões de euros com o BBVA Spark, naquele que é o primeiro investimento desta entidade ligada ao BBVA em Portugal. Com o capital, a startup pretende dar continuidade à estratégia de aquisição de empresas com negócios complementares ao seu. Até ao momento, comprou a portuguesa Moonshapes, que desenvolveu um software para imobiliárias, e a alemã Targomo, especializada em inteligência de localização. Com as aquisições, o negócio “está a funcionar melhor do que nunca”.
Por isso, “chegámos a um ponto em que pensámos que talvez fosse o momento de analisar o mercado e ver quem mais está por aí [para comprar]”, explica Nils Henning, acrescentando que para levar a cabo esse plano e para “consolidar” o negócio teve de tomar a decisão de procurar financiamento. Com sede na zona do Marquês de Pombal e escritórios em Portimão, Madrid, Paris e Berlim — e com um em Itália previsto para 2025 — a Casafari diz que vai focar-se em adquirir outras empresas, mas nada será anunciado este ano.
O casal de alemães que trocou Espanha por Lisboa com um negócio de milhões
“Posso dizer que este ano não vai acontecer nada. Falamos regularmente com empresas e o mais importante quando se procura uma empresa [para adquirir] é que haja sinergias e uma mentalidade semelhante. Isso é muito importante”, afirma o CEO, que indica não ter nenhuma firma específica em mente para comprar. Além disso, diz que a Casafari está “pronta” para se consolidar “ainda mais fora de Portugal” e para oferecer uma “opção” aos fundadores que estão “cansados”. “Para nós, não há um alvo específico, mas estamos ativamente à procura de quem, em 2025, possa encaixar no mundo Casafari.”
Com a entrada de capital, a startup pretende também reforçar a sua presença nos mercados europeus em que opera (português, espanhol, italiano, francês, alemão, austríaco e suíço), mas mostra disponibilidade para entrar em novas geografias: “Estamos muito abertos quando olhamos para localizações em que atualmente não estamos. Temos muito interesse da Grécia. Temos o interesse de alguns clientes no Reino Unido. A Polónia pode ser outro mercado [possível]. E também a América Latina”, diz Nils Henning ao Observador.
A Casafari diz ter, neste momento, mais de 60 mil agentes imobiliários a utilizar a sua plataforma nos países em que opera. A tecnológica tem uma equipa composta por cerca de 150 pessoas, dos quais cerca de 75 a 80 trabalhadores estão em Portugal. O empresário alemão Nils Henning afirma que a startup está “constantemente a contratar” e “à procura dos melhores talentos do mercado”, não detalhando o número de vagas abertas.
Tecnológica Casafari quer contratar mais de 50 pessoas em Portugal até ao fim do ano
Durante a conversa com o Observador, que decorreu horas antes de ser oficialmente anunciado o acordo entre a Casafari e o banco BBVA Spark, existiu também espaço para Nils Henning refletir sobre as mudanças no mercado imobiliário português ao longo dos anos, nomeadamente desde que aterrou no país. “O que caracteriza uma cidade é o imobiliário. Lembro-me que, nos primeiros tempos, no final de 2016/início de 2017, muitos edifícios em Lisboa estavam a cair aos bocados. Acho que o que se vê neste momento, não só na Avenida da Liberdade, mas também em todas as ruas à volta, é uma imagem totalmente diferente da cidade. Porque se investiu significativamente no imobiliário. Os prédios foram remodelados […], o que atraiu lojas, restaurantes… é uma cidade completamente diferente. Estou a falar de Lisboa, mas isto é o que vemos em todo o país. E o lado negativo é que, como é óbvio, os imóveis ficaram significativamente mais caros“, começa por dizer.
De seguida, defendendo que não espera que os preços dos imóveis aumentem “significativamente” no futuro próximo e apontando para que cresçam “moderadamente durante o próximo ano”, o empresário alemão nota a existência de um “perfil de comprador diferente” ao longo dos anos. Numa “primeira vaga”, os chineses; depois os brasileiros (atraídos por Portugal devido a “fatores-chave” como a língua ou a segurança) e agora, num cenário pós-eleições presidenciais e com a vitória de Donald Trump, os norte-americanos.
“Para um comprador chinês, os preços dos imóveis em Portugal eram comparáveis aos da China. Os compradores brasileiros chegavam, em certos casos, a dizer que Portugal é ‘relativamente barato comparado com São Paulo’. Agora, na terceira vaga, temos americanos que dizem ‘isto é barato’, mas nós consideramos que já é caro. Só que eles comparam [os preços do mercado português] com os preços praticados nos EUA. E se compararmos neste momento Miami com a Comporta, Lisboa ou Cascais, Portugal continua a ser muito acessível para um comprador americano”, explica Nils Henning.
Por outro lado, questionado pelo Observador sobre se, enquanto empresário e líder de uma startup, também identificava alterações no ecossistema de inovação do país, o CEO da Casafari reconhece que existem mudanças “enormes” e lembra o papel importante que João Vasconcelos, primeiro diretor executivo da Startup Lisboa e ex-secretário de Estado da Indústria, teve em convencê-lo (e à mulher, Mila Suhareva), de que precisava de “vir para Portugal” — ao invés de Espanha.
Quando Nils Henning chegou a Lisboa, a comunidade de startups era “muito pequena”: “Havia a Uniplaces, a Casafari, a Unbabel… e era esse o mundo [do empreendedorismo]. Todos os fundadores se conheciam”. Atualmente, a capital portuguesa é “quase uma máquina de startups” com capacidade para “atrair talentos internacionais” e de ter vários “espaços de coworking“. “A Web Summit foi também um dos grandes impulsionadores para trazer reconhecimento para Portugal. Mas, para além da Web Summit, muita coisa aconteceu, no que diz respeito aos hubs de inovação, ao capital de risco, ao dinheiro de investidores anjo disponível, às ideias, às pessoas que se juntam, à colaboração com as universidade. Quando viemos para Portugal não existia. A sério, não existia”, acrescenta, considerando que os portugueses se devem “orgulhar” da evolução do setor.