Recentemente, tive o privilégio de participar no fórum da Comissão Europeia – Dialogue on Forest-based Bioeconomy. Enquanto preparava o tema, uma pergunta-chave ecoava na minha cabeça: existe madeira suficiente para responder às nossas necessidades? Neste artigo, pretendo refletir sobre esta questão e enaltecer o papel da valorização e utilização sustentável da madeira. Utilizar, transformar e dar uma nova vida a uma matéria-prima que é um armazém de CO2 natural, e que pode ser reciclada inúmeras vezes, é uma forma de preservar os nossos ecossistemas, contribuindo simultaneamente para a criação de valor económico e social.
Anualmente, na Europa, são extraídos das florestas cerca de 500 milhões de m3 de madeira, um volume inferior ao limiar que é considerado sustentável, pelo que a resposta à questão parece ser fácil. Contudo, para responder plenamente à questão é essencial olhar para as políticas em vigor na União Europeia e para a utilização que está a ser feita desta matéria-prima tão valiosa no combate às alterações climáticas.
A madeira é capaz de reter CO2 mesmo quando já não está no seu formato natural, mesmo depois de transformada e reciclada. Esta vantagem é desaproveitada quando retiramos a matéria-prima da floresta e a encaminhamos diretamente para a queima, ou quando queimamos subprodutos da indústria da madeira ou resíduos de madeira pós consumo. A partir do momento em que a madeira é queimada, o CO2 que a compunha é libertado para a atmosfera. Segundo o estudo Biomass supply and uses in the EU, do Joint Research Centre (JRC), da Comissão Europeia, em 2017, apenas 42% da madeira extraída das florestas se destinou à utilização pela indústria. 58% seguiu para a queima. Ou seja, e voltando à questão inicial, o volume de madeira extraído das florestas não é suficiente e está muito longe de ser sustentável.
As tendências e as orientações políticas na Europa são no sentido de acelerar a descarbonização da economia, e a bioeconomia circular é uma estratégia chave para enfrentar os desafios do clima e da escassez de recursos. Neste cenário, a madeira é e será uma matéria-prima fundamental para a substituição de materiais não renováveis em vários setores, com especial destaque para o setor da construção. Temos, por isso, o dever de olhar para aquilo que afeta a disponibilidade da madeira que, além da competitividade a que está sujeita, depende também de fenómenos naturais, como as alterações climáticas, incêndios e/ou pragas.
Neste cenário, é fundamental que a União Europeia (UE), e todos os países que a compõem, desenvolva e aplique políticas que favoreçam o princípio da utilização da madeira em cascata, um conceito que promove a reutilização da madeira o maior número de vezes possível, reciclando-a e reintegrando-a nos processos de produção, desencorajando, assim, a sua queima direta. Um estudo prévio à pandemia Covid-19 realizado pela McKinsey mostrou que, se continuarmos com o status quo, estaremos a utilizar a madeira acima da sua capacidade de regeneração em 50 a 75%. Isso significa que, sem a adoção do princípio da utilização em cascata, agora prevista na diretiva das energias renováveis (RED III), corremos o risco de esgotar este recurso natural muito mais rapidamente do que imaginamos.
A recente revisão da RED III vai na direção certa, uma vez que consagra, pela primeira vez de forma legalmente vinculativa, o princípio da utilização em cascata na legislação da UE, exigindo que os Estados-Membros assegurem que a biomassa lenhosa seja utilizada de acordo com o seu maior valor acrescentado económico e ambiental, pela seguinte ordem de prioridades: produtos derivados de madeira, prolongamento da vida útil dos produtos derivados de madeira, reutilização, reciclagem, bioenergia e eliminação. É, no entanto, necessário ir mais longe. Há que evitar a utilização abusiva de derrogações para garantir que os Estados-Membros não diluem este princípio na transposição da diretiva europeia para a legislação nacional. Na Bélgica, por exemplo, não podem ser concedidos subsídios a projetos de energia produzida a partir de biomassa, a menos que se prove que a madeira, para a qual estes são pedidos, é realmente considerada desperdício e não um potencial produto.
Trata-se apenas de garantir uma utilização inteligente da madeira ou, por outras palavras, de uma utilização inteligente do capital natural.
É imperativo concentrarmo-nos na utilização da biomassa como material e desincentivar a incineração precoce para produção de energia. A madeira só deve ser queimada para fins energéticos no fim da sua vida material, nunca antes. Há que trabalhar muito mais neste sentido, através de condições de concorrência equitativas, da eliminação de subsídios e também através da sensibilização dos consumidores, por exemplo, para garantir que uma percentagem mais elevada dos recursos primários de madeira é utilizada na indústria e na sua transformação em produtos de valor acrescentado, e não em energia.
Atualmente, temos uma ampla gama de opções à nossa disposição. No entanto, sem uma mudança de política que priorize a utilização em cascata sobre a queima direta ou a produção de pellets para queima, será difícil existir madeira suficiente para alcançar o nosso objetivo de uma Europa neutra em CO2 até 2050.