Paris:
O Prêmio Nobel de Medicina foi concedido na segunda-feira a dois cientistas norte-americanos pela descoberta do microRNA, um tipo de mudança genética até então desconhecido que se espera possa abrir caminho para novos avanços médicos.
Mas embora vários tratamentos e testes estejam em desenvolvimento utilizando microRNAs contra o cancro, doenças cardíacas, vírus e outras doenças, nenhum ainda chegou aos pacientes.
E o mundo prestou pouca atenção quando os novos ganhadores do Nobel Victor Ambros e Gary Ruvkun revelaram sua descoberta décadas atrás, pensando que era apenas “algo estranho sobre os vermes”, disse à AFP o geneticista Eric Miska, da Universidade de Cambridge.
Aqui está um explicador sobre como exatamente esses pequenos interruptores genéticos funcionam dentro de nossos corpos.
– O que é microRNA? –
Cada célula do corpo humano possui o mesmo conjunto de instruções, chamado DNA. Alguns se transformam em células cerebrais, enquanto outros se transformam em músculos.
Então, como as células sabem o que se tornarão? A parte relevante das instruções do DNA é apontada através de um processo denominado regulação genética.
O ácido ribonucleico (RNA) normalmente serve como mensageiro. Ele entrega as instruções do DNA às proteínas, que são os blocos de construção da vida que transformam as células em cérebros – ou músculos.
Miska deu o exemplo das vacinas de RNA mensageiro lançadas contra a Covid-19 durante a pandemia, que inserem uma mensagem com novas instruções para construir proteínas que bloqueiam vírus.
Mas os dois novos vencedores do Nobel, Ambros e Ruvkun, descobriram um tipo totalmente novo de regulador genético que anteriormente tinha sido ignorado pela ciência.
Em vez de ser o mensageiro que transmite informações, o microRNA atua como um interruptor para desligar e ligar outros genes.
“Este foi um nível totalmente novo de controle que havíamos perdido totalmente”, disse Miska, que trabalhou com microRNA por duas décadas, inclusive com os novos ganhadores do Nobel.
“A descoberta dos microRNAs trouxe um nível adicional de complexidade ao revelar que regiões que se pensava serem não codificantes desempenham um papel na regulação genética”, disse à AFP o pesquisador francês Benoit Ballester.
– O que os ganhadores do Nobel fizeram? –
Na década de 1980, Ambros e Ruvkun trabalhavam separadamente sobre como os genes interagiam em lombrigas de um milímetro de comprimento, chamadas C.elegans.
Quando compararam seu trabalho, isso levou à descoberta do microRNA. Ambros revelou a descoberta em um artigo de 1993.
“Ninguém prestou muita atenção”, disse Miska, explicando que a maioria dos cientistas da época pensava que isso se aplicava apenas a vermes.
Então, em 2000, Ruvkun publicou uma pesquisa mostrando que o microRNA está presente em todo o reino animal, inclusive em humanos e até em alguns vírus.
“Isso não foi apenas algo estranho que os vermes fazem, mas na verdade todos os animais e plantas são totalmente dependentes deles para o desenvolvimento e funcionamento normal”, disse Miska.
Acredita-se agora que mais de mil genes que respondem aos microRNAs estejam no corpo humano.
– Como isso poderia nos ajudar? –
Existem inúmeros novos tratamentos e testes usando microRNA que estão sendo testados, mas nenhum deles foi amplamente disponibilizado.
“Embora ainda não existam aplicações muito claras disponíveis nos microRNAs, compreendê-los, saber que existem, compreender as suas redes contra-regulatórias, é sempre o primeiro passo”, disse Gunilla Karlsson Hedestam, do Instituto Karolinska, a jornalistas em Estocolmo.
Os microRNAs são particularmente promissores no combate ao câncer porque alguns desses interruptores “atuam como supressores de tumor, freando a divisão inadequada das células”, disse Miska.
Outros, entretanto, induzem “a divisão das células, o que pode levar ao cancro”, acrescentou.
Como muitos vírus utilizam microRNAs, vários medicamentos antivirais estão em diferentes estágios de desenvolvimento, inclusive para a hepatite C.
Um fator complicador é que os microRNAs podem ser instáveis.
Mas os cientistas também esperam que possam ser usados como um teste chamado “biomarcador”, que poderá revelar que tipo de cancro um paciente pode sofrer, por exemplo.
– O que vem a seguir? –
Também parece provável que os microRNAs possam estar envolvidos na evolução da nossa espécie, disse Miska.
“Parece muito provável que os microRNAs tenham papéis importantes na razão pela qual o cérebro humano é diferente do cérebro de outros primatas”, disse Miska.
Embora os cérebros humanos sejam difíceis de estudar, Miska espera que pesquisas futuras descubram mais.
(Exceto a manchete, esta história não foi editada pela equipe da NDTV e é publicada a partir de um feed distribuído.)