Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, tinha sido chamado ao Parlamento, sob requerimento do Chega, para explicar os números de redução do IRS — se eram 200 milhões ou 1.500 milhões — mas a audição acabou a apanhar as negociações em sede de especialidade das propostas dos vários partidos para uma alívio adicional este ano, além do concretizado com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2024 (do PS).
O PS tinha conseguido uma vitória parlamentar ao ver aprovada, na generalidade, a sua proposta, enquanto a do Governo baixou sem votação. Mas na especialidade começaram as negociações E na quarta-feira o PSD/CDS anunciou uma nova proposta, dizendo aproximar-se da do PS.
E foi esta nova proposta que apanhou Miranda Sarmento no Parlamento, onde disse esperar que “Governo e Parlamento possam juntos construir soluções para benefício dos portugueses”. Com um aviso. “É importante que, em sede do Parlamento, onde está a proposta e é o órgão soberano para decidir, os partidos possam chegar a um entendimento o mais rápido possível, nós teríamos gostado que fosse julho, porque quanto mais tempo demorar o entendimento mais difícil que a descida se possa refletir em julho nas tabelas de retenção”, passando a ficar agosto ou setembro como horizonte do alívio adicional e que está contabilizado em 350 milhões, em cima dos 1.191 milhões que o Governo já disse que a proposta de IRS no Orçamento em vigor comporta.
O Governo acompanha “obviamente” a proposta do PSD/CDS, vendo nela a tentativa de “estabelecer pontes com outras forças políticas para chegar a um mínimo denominador comum” para descida do IRS.
PSD mexe nos escalões mais baixos do IRS e pressiona oposição
Para Miranda Sarmento, a proposta do PSD/CDS “iguala a do PS, no primeiro, terceiro e quarto escalões e tem taxas marginais mais baixas a partir do quinto”, acrescentando que a proposta de atualizar os escalões à taxa de inflação é acolhida (até porque constava do programa da AD e do Governo), em cima da possibilidade da dedução específica de categoria A (trabalho dependente), H (pensões) serem atualizadas pelo aumento do IAS. “Há chão comum, parece-me, e caminho para poder ter uma proposta que reúna o apoio maioritário em número de deputados que permita aos portugueses este ano pagar menos 350 milhões no segundo semestre”.
E aqui Bernardo Blanco, da IL, atira a Miranda Sarmento que a descida do IRS serão só os 5 euros “exceto para quem tem o privilégio, como é o meu caso, de ter menos de 35 anos, mas são apenas 5 euros. Bem sei que há uma nova proposta e saúdo a pressão mediática de todos os partidos, e agora com a nova proposta não vão ser cinco euros, vão ser 7 euros. Fenomenal”, dizendo não perceber um governo que não é socialista baixar “apenas 5 euros”.
PS propõe maior descida de taxas do IRS nos escalões de rendimento mais baixos
“O PS consegue propor uma descida superior à da AD”, atira Bernardo Blanco, dizendo que o Governo “vai devolver uns euros aos portugueses e temos o PS a propor uma baixa um bocadinho maior”. E volta a questionar se o Orçamento de 2025 vai trazer uma redução maior. “Se houver margem” depois das medidas que ainda faltam em sede de IRS (como o IRS Jovem e os prémios de produtividade), diz o ministro das Finanças, garantindo: “socialista é algo que a ninguém passa pela cabeça chamarem-me”, mas realça: “a proposta do PS na versão inicial tem o mesmo valor em euros que a proposta do PSD se não violaria a norma travão. Distribui é de maneira diferente”. Foi também Bernardo Blanco que voltou a questionar quanto dos 1.191 milhões de corte socialista no IRS é por conta da atualização das taxas. Não teve resposta, mas teve a promessa do atual Governo de que nos seus orçamentos essa distinção será feita.
O Governo anterior dizia, no relatório do Orçamento do Estado para 2024, que “o impacto total da medida [IRS] ascende a 1.769 milhões de euros, mas deste montante só 1.327 milhões de euros têm impacto em 2024. Tal decorre de apenas os rendimentos das categorias A e H estarem sujeitos a retenção na fonte a taxas progressivas, pelo que apenas essa parte do impacto é refletida em 2024, aplicando-se o remanescente montante na liquidação de 2025”. Neste valor do PS estava incluído, segundo disseram fontes ao Observador, o impacto do mínimo de existência e o valor da atualização dos escalões que corresponde a 158 milhões do bolo.
Já Hugo Carneiro, deputado do PSD, contabiliza a sua proposta: “com todas as reduções na proposta apresentada estamos a falar de 18,75 pontos percentuais, 85,3% dos quais concentrados entre o primeiro e o quinto escalão”. O deputado do PSD quer, com “as minhas contas de merceeiro”, reforçar o argumento que se valoriza mais os rendimentos inferiores. No sétimo e oitavo, 0,75 pontos percentuais, representa 4% de toda a redução face a 2023. E exclui-se o último escalão.
“Não é a proposta benéfica para a classe média e para os rendimentos mais baixos?”, questiona Hugo Carneiro. É sobretudo no sexto escalão, pessoas que ganham entre 27 mil e 39,7 mil euros (rendimento líquido entre 1.300 e 1.800 euros) — “dificilmente estaremos a falar de pessoas abastadas” — “que a proposta inicial do Governo e a proposta PSD/CDS incide”, responde o ministro das Finanças.
“O nosso princípio foi fazer até ao oitavo, mas fazer face ao sexto que no orçamento de 2024 não teve redução na sua taxa marginal, mas achamos que é importante continuar a reduzir as taxas dos primeiros cinco escalões, mas também no sexto e depois uma redução menor no sétimo e no oitavo”, explica Miranda Sarmento. A proposta pode ser modelada, mas há um princípio que o Governo não abdica de que “todos os escalões têm de ter reduções”.
Mexida no IRS vai dar “bónus” fiscal no 1.º mês de aplicação (apontado para julho). O que vai mudar com a proposta do Governo?
Hugo Carneiro assume que está a AD “está empenhadíssima” nas negociações. O PS, reconheceu, é um dos que quer negociar. “Há outros partidos que não se afastando totalmente é mais difícil encontrar os pontos de consensos”.
Sobre a polémica que o levou ao Parlamento, Miranda Sarmento não fugiu do argumentário que o Governo adotou. A redução que”propomos é de 3 mil milhões de euros”, para o total da legislatura, com a redução das taxas de IRS — “procuraremos continuar a baixar as taxas nos próximos anos” — o IRS Jovem, e isenções para os prémios de desempenho. “Se estas medidas não fossem tomada, a receita de 2028 de IRS seria superior em 3 mil milhões do que é a nossa estimativa face a estes medidas”. Por várias vezes referiu que foi dito que a descida de 1.500 milhões era face a 2023, mas já a projeção de corte do IRS Jovem, de mil milhões, já é líquida, ou seja, segundo Miranda Sarmento, não incorpora os 200 milhões que o PS baixou no imposto para os jovens em 2024.
No programa eleitoral, no cenário macro e orçamental, nos impostos sobre rendimentos e património, estima-se uma redução entre 2024 e 2028 de 1,5 pontos percentuais do PIB — estimado pela AD em 2028 de 332 mil milhões –, ou seja uma redução total de impostos (IRS, IRC, IMT, Imposto selo) no valor de 5 mil milhões. “É um objetivo para a legislatura”. Esta redução no IRS é “o primeiro passo dessa redução que se for concretizada será a redução mais significativa da carga fiscal em período de crescimento económico”. Miranda Sarmento reitera as projeções macroeconómicas que produziu, salientando que “foi testado por vários economistas e não houve um único economista reputado a criticá-lo ou a dizer que não era exequível”. E atravessa-se pelas contas: “Quanto mais o Parlamento nos deixar aplicar as nossas medidas melhor será o contrafactual se o nosso programa estava bem ou mal desenhado. Deixem-nos aplicar o nosso programa durante quatro anos e meio e daqui a quatro anos e meio se falharmos eu serei o primeiro a não estar nesta sala em qualquer função política”, conclui Miranda Sarmento.
E à crítica sobre um cenário irrealista, Miranda Sarmento acabou por atirar que a projeção de dívida no programa do PS “tem um erro”. Pelas suas contas no final da legislatura ficaria maior nos 83%. Aliás, no bate boca com o ex-secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, Mendonça Mendes, o ministro das Finanças acabou a dizer que o PIB estimado em 2028 da AD e do PS não é muito diferente. Antes de se iniciar esta troca de contabilidades, Mendonça Mendes aproveitou para voltar ao ataque do Governo sobre as contas públicas deixadas pelo PS. E deixou um “conselho” a Miranda Sarmento: “poder refletir as últimas intervenções ao longo do último mês e refletor aquilo que foi a intervenção do presidente do Eurogrupo e do comissário dos assuntos económicos sobre situação orçamental do país e que o senhor ministro das Finanças possa refletir muito sobre o mal que fez à credibilidade do ministro das Finanças de Portugal”.
O ex-secretário de Estado adjunto de António Costa realça que a “credibilidade do ministro das Finanças é muito importante para continuarmos a afirmar a credibilidade do país em termos internacionais que tem efeito no preço que as famílias e as empresas pagam relativamente à dívida e se todos estão de acordo que a situação orçamental portuguesa é boa o senhor ministro das Finanças não se deve colocar numa situação que não é o papel do ministro das Finanças. Mais importante do que ser convocado dentro do Governo para a luta político-partidária deve estar convocado para a defesa dos interesses do país”.
Além da discussão em torno das taxas marginais do IRS, a audição de Miranda Sarmento serviu para ser questionado sobre outras medidas.
O Bloco aproveita para pedir a opinião do Governo sobre a proposta de dedução dos juros do crédito à habitação de contratos após 2011 no IRS, “o PSD tomará a decisão que entender — já não sou líder parlamentar — no lado do Governo “temos disponibilidade para analisar essa medida”. Já de manhã, o Bloco tinha saído da reunião com Miguel Pinto Luz a propósito da habitação com essa possibilidade na carteira.
Miranda Sarmento também admitiu ao PCP aumentar a dedução específica do IRS mas só em 2025. “Podemos avaliar para 2025, mas a margem que existe para 2024 para reduzir IRS é de 350 milhões e [aumentar dedução] não é comportável nesta margem”. Mas ao PCP deixou a promessa: “Iremos avaliar para o orçamento de 2025”
Durante o debate admitiu ainda que, caso haja margem orçamental, as taxas de IRS é para continuarem a descer. Mas se houve abertura para algumas medidas, houve uma que Miranda Sarmento excluiu.
O Governo recusa avançar para o englobamento de rendimentos de capital pedido pelo PCP. “Como não há, felizmente, controlo de capitais na UE, as pessoas são livres de colocar poupanças e investir onde muito bem entendem, e o englobamento obrigatório e não a taxa liberatória levaria a uma redução ainda maior da poupança e menor investimento”.
Miranda Sarmento indicou que a poupança em Portugal neste momento é de 3/4% do PIB, “em valor nominal é o mesmo que há 15/20 anos” e o investimento não chega a 20% do PIB. “Na maior parte dos anos, sobretudo o investimento público não compensa a depreciação dos ativos. Precisamos de mais poupança e investimento. O englobamento prejudicaria imenso esse objetivo de poupança e investimento”.
E nos impostos para as empresas, assumiu não haver margem orçamental para acabar com as derramas (estaduais e municipais) para as empresas. O programa da AD previa a avaliação do fim da derrama estadual e municipal. Mas Miranda Sarmento explica que, no entanto, “o compromisso que está fixado e calendarizado é o da redução da taxa de IRC de 21 para 15%, mas acho difícil do ponto de vista orçamental rever as derramas que introduzem componente de progressividade no IRC que não deixa de ser elemento estranho, embora eu não seja totalmente contra”.
E será preciso orçamento retificativo?, quis saber o Chega.
Miranda Sarmento respondeu: “O que existe são alterações orçamentais de competência da Assembleia da República e competência do Governo”. Ora, “o Governo fará as alterações orçamentais da sua competência que entender necessárias para prosseguir os seus objetivos e avaliará até final do ano se há necessidade de pedir alteração orçamental que seja da competência da Assembleia da República nos termos da Constituição e da Lei”.