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histórias de uma obsessão – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 14, 2024

Foi pouco depois de publicar O Desconhecido do Norte Expresso, a estreia literária em 1950, que Patricia Highsmith viajou para a Europa pela primeira vez. Em Itália, numa passagem pela costa amalfitana, instalou-se num hotel em Positano em 1952. Foi aí que, da varanda do quarto (como a própria revelou em diferentes ocasiões), teve um vislumbre de segundos que acabaria por marcar toda a carreira que haveria de construir. Ao longe viu “um jovem solitário, de calções e sandálias, com uma toalha ao ombro, que percorria a praia da direita para a esquerda”.

De repente, a imaginação da escritora começou a trabalhar: “Havia nele um ar de reflexão, talvez de inquietação. Teria tido uma discussão com alguém? O que é que lhe ia na cabeça?” Nunca mais o viu, mas não precisou. Para Highsmith, já tinha uma identidade: Tom Ripley. E, a partir daí, esse vulto ganhou as características de um vigarista que viaja para Itália teoricamente para levar de volta aos EUA Dickie Greenleaf, o filho de um magnata, acabando em vez disso a matá-lo para lhe roubar a identidade, a fortuna e o estilo de vida.

O Talentoso Mr. Ripley seria publicado em 1955 — seguindo-se quatro sequelas, em que o protagonista sai sempre impune dos crimes cometidos, formando assim a coleção conhecida como Ripliad. Na Netflix está há algumas semanas uma nova adaptação, Ripley, uma minissérie de oito episódios com Andrew Scott, Johnny Flynn e Dakota Fanning, que gerou um novo interesse pela personagem e pela costa amalfitana, que promete encher-se ainda mais de turistas nos próximos meses (sabe-se lá como).

[o trailer de “Ripley”:]

A inspiração para a narrativa surgiu também de um artigo que Highsmith leu no jornal The New York Herald Tribune e que guardou num dos seus cadernos de apontamentos. “Homem ‘enterrado’ como vítima de incêndio é detido como suspeito de homicídio”, dizia o título da notícia que contava a saga de Albert Paglino, um aparentemente pacato cortador de carne de St. Louis que, revelou a investigação, tinha um longo historial de fraude, roubo de identidade e homicídio.

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Quando começou a escrever aquele que viria a ser o seu quarto (e mais famoso) livro, a autora sentia-se “quase flácida”. Não era isso que pretendia com aquela personagem. “Decidi rasgar as páginas e começar de novo, mentalmente e também fisicamente, sentando-me na beira da cadeira. Porque é esse o tipo de jovem que Ripley é — um jovem na beira da cadeira, se é que está sentado sequer”, explicaria anos mais tarde num ensaio de 1989, já com o bestseller mais do que estabelecido no mercado literário.

A ação de O Talentoso Mr. Ripley acontece numa pequena localidade italiana à beira-mar, Mongibello, nome fictício (que pode, embora sem confirmação da própria, ter surgido do nome, precisamente Mongibello, pelo qual também é conhecida a montanha vulcânica Etna).

O nome pode ser novo, mas é a estética de Positano que dá o mote à história. Foi lá, na tal estadia de 1952, que nasceu a personagem principal — e provavelmente também aquela que é objeto da obsessão de Tom Ripley, Dickie Greenleaf, um herdeiro rico que se muda para Itália só porque quer viver uma aventura e vive às custas dos rendimentos da família. De acordo com algumas biografias de Patricia Highsmith, as férias da escritora foram passadas com Kathryn Hamill Cohen, rica, bonita e mulher de um conceituado editor em Londres. As duas mantinham uma relação amorosa, que Cohen terminou pouco depois por carta, marcada por obsessão, manipulação e fantasia. Highsmith nunca cometeu nenhum ato como os do seu protagonista mas chegou a admitir, em diversas ocasiões, que essas ideias lhe passavam pela cabeça e que era difícil distinguir realidade e ficção.



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