O que retiro da minha experiência é que, de uma maneira geral, a defesa não requeria a instrução. Um pouco na ideia de que isso seria a antecipação da defesa, e preferia deixar a defesa para os julgamentos. E, agora de repente, o requerimento de abertura da instrução é a regra, o que mais uma vez, vai conduzir ao condicionamento temporal da eficácia da Justiça. Aqui admito que possa haver um espaço de intervenção que tinha de ser estudado, analisado, com muito rigor.
Além da instrução criminal, que mais alterações promoveria?
Na área das liberdades e garantias dos cidadãos — que necessitam de ser reforçadas. Temos visto, por exemplo, aplicação de prisão preventiva em excesso e isso tem sido muito bem estudado. Aliás, Portugal é um dos países com a maior prisão preventiva no contexto geral da Europa.
Outros exemplos, o uso recorrente de escutas telefónicas como meio de obtenção de prova. As escutas têm que ser um instrumento excecional de utilização na investigação criminal e não ser absolutamente recorrente, nem durar tempo infinito sem saber exatamente em que medida que estão a contribuir para a prova de um determinado facto sobre o qual se está a investigar.
As interceções telefónicas e de outra natureza tecnológica são obrigatoriamente autorizadas e controladas por um juiz de instrução criminal.
Também são, mas não é isso que faz com que sejam sempre legitimadas no sentido de que se tenham sempre como normais.
Devíamos definir um determinado tempo para que elas sejam feitas?
Presumo que sim.
Restringir ainda mais os crimes onde as escutas telefónicas possam ser feitas?
Também admito que sim. Penso devíamos revisitar em geral a matéria da escutas telefónicas. Seja nessa matéria, seja noutras eventuais propostas de alteração que acabei de elencar, estamos a falar de um trabalho de grande complexidade que tem de ser feito.
Acabamos de ter uma longa conversa sobre as suas ideias sobre a reforma da Justiça — que é também o objetivo do chamado Manifesto dos 50 que teve um grande impacto mediático. Como viu este manifesto?
A minha reação ao Manifesto dos 50 é uma reação de abertura. As pessoas têm um pensamento crítico sobre qualquer espaço de funcionamento do Estado, devem manifestá-lo e devem assumir a responsabilidade por aquilo que manifestam e devem, inclusivamente, no terreno, lutar e bater pelas ideias que têm.
Portanto, a minha posição nunca é a de me fechar numa trincheira, empurrar os subscritores de um Manifesto para dentro de outra trincheira e desatarmos a disparar a ver quem morre.
Ao longo desta conversa fez várias propostas de reforma que, se calhar, muitos dos subscritores do Manifesto dos 50 subscreveriam.
Não sei se subscreveriam… Enfim, talvez sim, talvez não. Não me preocupo com isso. Fui ministro da Justiça durante cinco anos e faço parte do grupo dos responsáveis por aquilo que não foi feito. E gostava de deixar claro que as minhas propostas são para discutir e eu próprio tenho perfeita abertura para as rever ou reconsiderar alguma das propostas que fiz.
O Manifesto 50 aborda a temática da mediatização da justiça e responsabiliza a comunicação social pela realização de “julgamentos populares”, de “boicote à investigação criminal” e de “atropelar os mais elementares direitos de muitos cidadãos”. Como vê o equilíbrio entre a necessidade de proteger a investigação através do segredo de justiça e o escrutínio jornalístico que inevitavelmente que é feito?
Vejo com uma naturalidade talvez até estranha, se se entender assim. Também parto do princípio de que a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e a liberdade de informação é absolutamente estruturante e essencial do Estado de Direito. E, portanto, mesmo os abusos e excessos de liberdade de imprensa — que existem — não devem ser motivo para que se reduza a liberdade de imprensa.
Há um problema quando se diz que o segredo de justiça defende a honorabilidade das pessoas e a presunção da inocência… O segredo de justiça não serve para nada isso. Serve apenas para garantir a qualidade e para proteger a investigação, mais nada. E é por isso é que o segredo desaparece quando há acusação. Por outro lado, os atos de justiça são públicos, não são secretos. Se há aí falência, é falência de informação e de comunicação sobre os atos de justiça e não um excesso de informação.