As escolhas para os Ministérios da Educação, da Administração Interna, da Saúde e da Justiça seguiram um princípio comum: sendo uma prioridade assumida responder rapidamente aos problemas de cada um destes setores (professores, forças de segurança, profissionais de saúde e descrédito do sistema de Justiça) era importante garantir ministros com conhecimento técnico mas que não estivessem demasiado envolvidos nas guerras das corporações.
Isso explica, desde logo, a escolha surpreendente de Fernando Alexandre (economista de formação e ex-secretário adjunto de Estado da Administração Interna no tempo de Miguel Macedo) para o lugar de superministro da Educação, Ensino e Inovação. Apesar de conhecer intimamente a realidade do Ensino Superior (é professor universitário há duas décadas) não é uma player no setor. Para alguém que tem de começar a negociar o reconhecimento do tempo de carreira de professores que esteve congelado assim que tomar posse, este distanciamento era importante.
Depois, Fernando Alexandre tem uma visão marcadamente ideológica sobre os setores da Educação e do Ensino Superior: entende que o sistema de ensino deve estar mais voltado para as necessidades do mercado de trabalho, é um defensor público dos rankings de escolas como ferramenta de avaliação e competitividade e da revisão do sistema de financiamento do ensino superior, voltando-o mais para a ciência e inovação. Não será por acaso que a marcação cerrada já começou: “Aquilo de que educação menos precisa é de ser gerida por políticas economicistas, de liberalização”, afirmou à Lusa Mário Nogueira, da Federação Nacional dos Professores (Fenprof).
Margarida Blasco, futura ministra da Administração Interna, tem um perfil idêntico. Juíza Conselheira do Supremos Tribunal de Justiça, tem conhecimento do que é o funcionamento de um Ministério (foi chefe de gabinete do secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, José Borges Soeiro, era ministro Laborinho Lúcio), foi diretora do Serviço de Informações e Segurança (SIS), mas, mais importante, passou sete anos à frente da Inspecção-Geral da Administração Interna, a “polícia das polícias”. Aliás, pelas mãos dela, passaram alguns dos processos mais delicados a envolver a PSP, como os casos das agressões no bairro da Jamaica, Seixal, ou na Esquadra de Alfragide, Amadora.
Com um percurso ligado ao combate a episódios de racismo e abusos de poder nas forças de seguranças, vai ter de negociar a revisão da grelha salarial destas carreiras (Montenegro prometeu conversar com a PSP e com a GNR assim que tomasse posse) e enfrentar um setor em profunda convulsão e com suspeitas de infiltração de elementos ligados à direita mais radical. Será, em teoria, um contraponto com a agenda de André Ventura.
Na Saúde, o retrato não é muito diferente. Apesar de Ana Paula Martins não ter sido uma completa surpresa – liderou sempre a bolsa de apostas –, não deixa de ser revelador que tenha superado Miguel Guimarães, antigo Bastonário da Ordem dos Médicos, cabeça de lista da AD no Porto e promovido a “líder” dos independentes que apoiavam Montenegro nesta campanha – segundo o jornal Público, Miguel Guimarães terá mesmo ficado desagradado com o facto de ter sido preterido.
Mas Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, goza de duas vantagens: não sendo médica, nem enfermeira, não é parte interessada num setor dividido em guerras entre corporações do mesmo universo e guerras entre corporações e o governo; e é apreciada pelo seu “soft power”, nas palavras elementos da direção do PSD para a elogiar). Além disso, tendo sido presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (saiu em rutura com o governo de António Costa), tem naturalmente conhecimento sobre a realidade do setor.
Sendo que Ana Paula Martins tem em mãos uma das maiores responsabilidades deste Governo: colocar em prática o plano de emergência para o SNS prometido por Montenegro 60 dias depois de tomar posse, talvez a mais emblemática promessa eleitoral do novo primeiro-ministro.
Uma das ideias mais repetidas por responsáveis sociais-democratas ao longo das últimas semanas passava pelo reconhecimento de que o próximo Governo não gozará de qualquer estado de graça. Quando existe um grande clima de desconfiança em relação ao PSD, que regressa ao poder depois da troika e depois de oito anos de governação socialista, com o PCP e (sobretudo) o PS na oposição, não existe grande esperança num clima de paz social duradouro.
A escolha de Rosário Palma Ramalho, especialista em Direito Laboral, uma defensora da negociação coletiva e investigadora em matérias em regulamentação laboral na era digital, para o Ministério Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social é autoexplicativa – Montenegro vai querer, pelo menos, estender o cachimbo da paz.
Nesta linha de raciocínio, a escolha de Rita Júdice para a Justiça é, dos quatro, a mais improvável – o que indicia que possa não ter sido a primeira escolha. Apesar de ser licenciada em Direito e advogada de profissão, especializou em Direito Imobiliário e era coordenadora do Conselho Estratégico Nacional do PSD precisamente para a área da Habitação – tanto que, nos bastidores, era várias vezes referida como possível ministra da Habitação, e raramente para a Justiça.
Tem pela frente uma montanha difícil de escalar: a juntar à guerra pouco discreta entre o poder político e o Ministério Público (associada à queda de dois governos, da República e da Madeira), vai enfrentar um setor muito descrente (em particular os oficiais de justiça) e terá de implementar planos tradicionalmente muito difíceis, polémicos e que exigem muita negociação política: medidas palpáveis contra a corrupção e pela criminalização do enriquecimento ilícito, várias vezes chumbada pelo Tribunal Constitucional.
A opção de Dalila Rodrigues para o Ministério da Cultura tem o significado político que é anterior à própria escolha: havia a dúvida (residual, ainda assim) sobre se Luís Montenegro iria ou não manter a Cultura como pasta ministerial ou despromovê-la a secretaria de Estado – como era no primeiro no governo de Pedro Passos Coelho. Montenegro manteve a Cultura como Ministério e escolheu para ocupar a pasta uma figura que está longe de ser consensual: a até aqui diretora do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém teve um embate público com Isabel Pires de Lima, então ministra da Cultura de José Sócrates, e, mais tarde, foi de novo afastada pela direção do Conselho de Instalação da Casa das Histórias de Paula Rego.