As linhas deste texto inspiram-se no livro ‘On Freedom’ do norte-americano, Timothy Snyder. Snyder pega nos conceitos de liberdade positiva e liberdade negativa, que Isaiah Berlin tão bem desenvolveu, e dá-lhes outro enfoque. Assim, se para Berlin a distinção entre os dois conceitos assenta na presença ou não de autoridade, para Snyder reside na presença ou não de valores. De pessoas.
Com Berlin, a liberdade positiva seria a ‘liberdade para’ alguma coisa que só se obtém por via da autoridade enquanto a liberdade negativa se definiria como a ‘liberdade de’ alguma coisa, neste caso perante a autoridade, o poder, fosse este político, económico ou social. Ora, Synder tem outro entendimento. Para ele, a distinção deixa de assentar na relação com a autoridade para se alicerçar em valores, em factos, nas pessoas. A liberdade positiva continua a ser o poder para fazer algo, não haja dúvidas quanto a isso, só que a força que a sustém não é mais a autoridade, mas a capacidade de as pessoas agirem livremente.
O que pressupõe que os cidadãos vivam de acordo com valores, que os consigam transmitir aos outros e às gerações futuras, que tenham acesso a factos, a dados concretos, pois só dessa forma poderão decidir em liberdade. Serem espontâneos e imprevisíveis. Surpreenderem e surpreenderem-se. Desfazerem preconceitos e percepções erradas. Terem sentido crítico para encontrarem a verdade e se guiarem por esta e não pelo que lhes parece certo, porque soprado ao ouvido por alguém.
Ser livre exige factos concretos, reclama que, com espírito crítico, procuremos a verdade. Precisa que tenhamos os pés bem assentes no chão. Ser livre não é só dizer “umas coisas.” É poder dizer a verdade que procurámos mesmo que isso nos custe. Nos prejudique. Uma pessoa livre só o é se for íntegra. Íntegra da maneira mais difícil que é possível, porque se trata de rectidão de cada um para consigo mesmo. Snyder menciona a soberania, a imprevisibilidade, a mobilidade, a factualidade e a solidariedade como essenciais à liberdade humana. Indivíduos soberanos, senhores de si, capazes do inimaginável, de mudarem (de pensamento, de meio geográfico e social), cidadãos que se baseiam em factos e que são solidários e capazes de entreajuda. Solidariedade que não se confunde com sinalizações de virtude, mas seja fruto do trabalho árduo de quem faz o que pode e o que não pode para que outro fale e seja o que pretende ser.
Estes são pontos fundamentais nos dias que correm onde o populismo grassa com sentimentos soprados aos ouvidos das pessoas, fazendo-as crer que são verdadeiros. A liberdade, a soberania individual, ganha-se com a presença de cada um. Se é um direito é também um dever. Dir-me-ão que é um pensamento utópico e demasiado optimista. Até pode ser. Mas se é de liberdade individual que falamos, esta não é possível sem esforço individual. Ou seja, é difícil, sim. Mas necessário. Melhor: indispensável.
Liberdade não é ter razão; é poder distinguir o certo do errado. E isso requer bom-senso, capacidade de improvisação, confiança que a vida muda para melhor para quem trabalha e se esforça. Pessoas com acesso a factos e não só a opiniões e generalizações. E como a liberdade significa presença, nunca ausência, depende de cidadãos que se entregam, sejam solidários, desinteressados e generosos. Depende e pede elevação e nobreza de espírito. É desta forma que as sociedades livres, comunidades de pessoas soberanas e imprevisíveis, se tornam imbatíveis.