Não existe para já um valor para este investimento temporário, nem um calendário de execução. O objetivo é esticar a Portela e melhorar o serviço até que seja possível transferir as operações para o novo aeroporto, o que tem um prazo de referência mínimo de dez anos que pode ser mais, caso o novo aeroporto demore mais tempo a ficar pronto.
Para agilizar o processo, o Executivo pretende evitar a necessidade de uma avaliação de impacte ambiental que não será obrigatória se o aumento de capacidade for inferior a 20%. Ainda assim, a dispensa desse processo terá de ser emitida pelo Ministério do Ambiente ou em Conselho de Ministros. As obras aprovadas em dezembro tiveram essa dispensa por parte da Agência Portuguesa do Ambiente e o seu arranque estava previsto para o último trimestre do ano.
Com a entrada em operação no Campo de Tiro de Alcochete, é intenção deste executivo encerrar a Portela. Está em aberto se a transferência das operações é feita gradualmente — o relatório da CTI admitia o funcionamento dual durante pelo menos um ano — ou de uma só vez. A decisão terá de ser articulada com as companhias aéreas, em principal a TAP. E o que acontecerá aos terrenos da Portela só mais tarde se saberá, mas Pinto Luz já vê para essa área de Lisboa uma nova centralidade. Primeiro, no entanto, há que descontaminar os terrenos.
“Uma das maiores intervenções imobiliárias em Lisboa nas últimas décadas”. Mesmo com poucos edifícios, terrenos da Portela podem ser mina
O risco político tem sido uma constante nos mais de 50 anos que marcam a discussão sobre o novo aeroporto, com avanços e recuos à boleia das mudanças de ciclo político. Se qualquer decisão tomada por um governo tem de ser necessariamente executada por outro — depois de decidir há anos de estudos, projetos e avaliações ambientais, os dois partidos históricos do arco da governação têm de estar de acordo. Esse princípio foi conseguido quando em 2022, António Costa e Luís Montenegro concordaram com um procedimento que levou à nomeação de uma comissão técnica independente (CTI). Depois de alguma desconfiança inicial, o essencial das conclusões e recomendações do relatório final da CTI foi aceite pelo atual Governo, como já tinha sido saudado pelo Executivo socialista.
E o primeiro-ministro manteve a sintonia com o PS neste temas. Ainda o Governo estava a explicar as decisões e poucos já Pedro Nuno Santos garantia: “Um futuro Governo socialista nunca porá em causa esta solução, que é a correta. Nunca tive dúvidas de que Alcochete era a melhor”, declarou o ex-ministro da tutela que chegou a decidir uma solução, mas que teve de a revogar.
Montijo ou Alcochete? Os dois. O que muda com a decisão sobre o novo aeroporto
Por outro lado, o atual executivo confia que a decisão do aeroporto, ao contrário de outras matérias políticas sensíveis, não exige diploma que tenha de ser aprovado no Parlamento.
Nem político, nem ambiental. Maior risco para novo aeroporto é “jurídico” (devido a contrato com ANA), diz coordenadora da CTI
O risco jurídico da negociação com a ANA foi desde logo assinalado pela comissão técnica independente para quem o contrato de concessão dá todo o poder à concessionária. Os últimos anos parecem ter demonstrado esse poder, com o impasse na execução das muito anunciadas obras na Portela. Do ponto de vista do atual Executivo, é a indefinição sobre a solução aeroportuária que tem permitido dar essa margem à concessionária. Uma vez tomada a decisão e proposta à ANA, são ativadas as cláusulas do contrato que obrigam a empresa a tomar vários passos. É certo que a concessionária pode esticar a corda e esgotar todo o prazo legal dos 46 meses, o que o Governo quer evitar. Mas só se abre uma crise nesta frente se Estado e concessionária falharem acordo e a ANA abdicar de executar a solução proposta pelo concedente. Nesse cenário extremo, o Estado tem o direito de resgatar a concessão do aeroporto de Lisboa e lançar um novo concurso, mas ao mesmo tempo terá de indemnizar a atual concessionária.
O ministro das Infraestruturas sublinha que, com esta decisão, “estamos a defender os interesses do Estado português e não os da ANA”. Já esta terça-feira, fonte oficial indicou que a empresa “está inteiramente disponível para trabalhar, no imediato, nas soluções hoje apresentadas pelo Governo”.
De resto Miguel Pinto Luz afirmou, em entrevista à SIC, que não está preocupado com as negociações com a ANA. “Como político, estou preocupado com a avaliação de impacte ambiental e com as medidas mitigadoras”.
O risco ambiental também pode ser jurídico se organizações ambientais se mobilizarem para contestar nos tribunais nacionais ou europeus esta decisão. Tal como aconteceu no passado com o Montijo, cuja declaração de impacte ambiental (favorável, mas condicionada) chegou a ser impugnada pelo próprio Ministério Público. Nesta solução, a expansão da Portela — ainda que temporária e sem avaliação de impacte ambiental — pode ser a ponta da meada que leve estas organizações a entrarem uma batalha jurídica contra a proposta do Governo.
Aeroporto de Alcochete. Impacto nos recursos hídricos e na floresta são pontos negativos apontados
Ainda na frente ambiental, e apesar de no passado ter tido uma declaração favorável condicionada, têm sido apontados à localização do Campo de Tiro de Alcochete fatores muito negativos, desde o impacto nos recursos hídricos até à destruição de floresta e espécies protegidas. Estas e outras reservas vão ganhar muita visibilidade durante a fase de avaliação de impacte ambiental, o que, no limite, pode resultar num chumbo, o que obrigará a revisitar a opção de Vendas Novas, muito menos estudada.
O risco de execução raramente é reconhecido pelos decisores políticos, mas tem assumido uma maior relevância à medida que um número crescente de obras e projetos de investimento sofrem atrasos ou encalham pelas mais variadas razões. Um exemplo desse risco tem sido a execução dos projetos ferroviários lançados pelo anterior Governo. Desde a linha da Beira Alta ao troço novo entre Évora e a fronteira (e que seria o primeira parte da futura linha de alta velocidade para Madrid), passando por muitos projetos atrasados e em obra que nem data de conclusão têm à vista. O lançamento em simultâneo de vários concursos num mercado que perdeu muita capacidade, recursos técnicos e humanos durante a crise é uma parte da explicação. O facto é que trazer mais ambição para um setor já muito saturado pode agravar o problema e inviabilizar as melhores intenções.
O Estado pedirá à concessionária que prepare o relatório inicial sobre o desenvolvimento da capacidade aeroportuária nos 30 dias que se seguem à decisão e publicação. A ANA tem seis meses para elaborar esse relatório inicial de alto nível o qual deve incluir proposta indicativa do projeto de desenvolvimento do aeroporto em função das alternativas exigidas pelo concedente. Esse relatório pode ser alterado por iniciativa do Estado.
A concessionária deve avançar para a candidatura ao novo aeroporto, o que exige um relatório de consultas com os comentários dos cinco maiores operadores aéreos e de outras partes interessadas e públicas sobre o local preferido, bem como o nível de taxas aeroportuárias. Este relatório tem seis meses para ser elaborado. No prazo de 12 meses está previsto um relatório sobre a localização e o respetivo estudo de impacte ambiental. Seguem-se o relatório técnico com proposta de planeamento, calendarização da construção e orçamento (18 meses) e um relatório financeiro com a proposta de financiamento e disponibilidade dos financiadores (24 meses).
A candidatura completa pode demorar até 46 meses, se todos os prazos forem esgotados, mas o Governo acredita que será possível acelerar estes prazos. Em paralelo, a concessionária terá de dar resposta às intervenções adicionais pedidas para a Portela.
O Governo vai ainda negociar a calendarização da linha de alta velocidade com Espanha e a União Europeia e aguardar pelos resultados do estudo do modelo de financiamento da terceira travessia do Tejo. E irá criar um grupo de trabalho para acompanhar a execução do projeto do novo aeroporto.