A líder do Conselho das Finanças Públicas (CFP), Nazaré da Costa Cabral, já se referiu aos “restos” da nacionalização do BPN como um “sorvedouro” de dinheiro dos contribuintes. Os ativos e passivos do banco, responsabilidades que o Estado assumiu totalmente, foram colocados em três entidades públicas criadas para o efeito: a Parvalorem, a Parups e a Parparticipadas. O único ativo que não foi aí colocado foi a própria atividade comercial bancária, que foi vendida em 2012 ao BIC (hoje EuroBic, banco que está agora a ser comprado pelos espanhóis do Abanca).
Ao longo dos anos aquelas três entidades foram-se desfazendo do que tinham no balanço: vendendo pacotes de créditos (com baixas taxas de recuperabilidade e quase tudo em contencioso), carteiras de imóveis, ativos financeiros e até obras de arte. À medida que as exposições foram liquidadas, sobretudo até 2019, a Direção-Geral do Tesouro e Finanças (acionista único) foi fazendo novos financiamentos para compensar as perdas relativas à diferença entre o valor a que os despojos do BPN estavam contabilizados e o valor real a que foi sendo possível vender.
“A Parvalorem e a Parups são, nos últimos anos, sorvedouros de dinheiros públicos — não há outra forma de o dizer — com permanentes injeções de capital, desde logo sob a forma de empréstimos”, disse. O Tribunal de Contas calculou que, desde a nacionalização até 2022, ascendeu a 6.032 milhões de euros a diferença entre as despesas e as receitas, tendo sido recuperado até agora menos de um terço do valor dos créditos (segundo as últimas contas disponíveis). “É uma ferida que está nas nossas finanças públicas”, atirou a líder do Conselho das Finanças Públicas.
Em meados de 2021, quando já havia menos ativos e passivos para gerir, foi tomada uma decisão pela equipa das Finanças (o ministro João Leão e o secretário de Estado João Nuno Mendes): uma reestruturação que levaria a que a Parvalorem absorvesse os balanços da Parups e da Parparticipadas, centralizando ali toda a gestão. A Parups tinha a gestão de ativos imobiliários e as obras de arte do antigo banco de José Oliveira e Costa (que morreu em março de 2020).
Segundo o Governo, na altura, tal decisão foi tomada para haver uma “minimização do esforço do acionista” e para se conseguir emagrecer os custos de gestão daqueles veículos (uma poupança de 270 mil euros por ano). O Governo iniciou a reestruturação com a intenção de também a Parvalorem ser liquidada, mais à frente. E, nesse momento, o desequilíbrio que ainda existia entre ativos e passivos remanescentes levou a que os capitais próprios (negativos) fossem calculados em 4,9 mil milhões de euros.
Mas depois da fusão, concluída em 2022, foram feitas novas contas ao valor dos ativos e passivos. E o resultado dessas contas mostrou que os ativos valiam ainda menos do que se estimava. “Em 2023, no âmbito do processo de reestruturação das referidas empresas, com fusão das restantes na Parvalorem SA, foi elaborado um plano de negócios para o período de 2024-2027 com enfoque na estimativa de recuperação da carteira de crédito até ao fecho da empresa“, explicou o Instituto Nacional de Estatística no relatório sobre o chamado Procedimentos do Défices Excessivos.
“No âmbito desse processo”, indicava o INE nesse relatório de março de 2024, “foi apurado o valor dos créditos que não serão recuperados“, e esse valor – os 915,6 milhões de euros – foi “registado como transferência de capital com impacto no saldo das Administrações Públicas (AP)”, isto é, teve impacto no saldo das contas anuais do Estado que agora a UTAO estima em 0,35% do PIB.
No final de 2022, segundo as contas da empresa, a Parvalorem tinha 578,5 milhões em ativos (já contando com os 225,5 milhões vindos da Parups). Já o passivo totalizava 5.405 milhões.
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Sensivelmente ao mesmo tempo que o Ministério das Finanças de Fernando Medina registava nas contas de 2023 este encargo relacionado com o BPN, inscrevia-se no Orçamento do Estado (negociado em 2023, para 2024) um montante não muito diferente – cerca de 1.100 milhões de euros – para políticas públicas na área da habitação, designadamente os apoios extraordinários ao pagamento de rendas e de prestações de crédito.
Que ativos estão entre os despojos do antigo BPN?
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Depois de vendida a rede de banca de retalho ao então Banco BIC, os (restantes) ativos e passivos foram colocados em três entidades 100% detidas pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças: a Parvalorem, a Parups e a Parparticipadas. A vasta maioria dos créditos e exposições que foram colocadas nestas entidades estão, agora, em insolvência ou em pré-incobrabilidade.
No final de 2022, a carteira de crédito da Parvalorem tinha 5.886 devedores, embora 94% do valor da carteira sob gestão dissessem respeito a apenas 14% dos clientes. Eram, sobretudo, créditos a empresas (93% do valor e 69% do número de contratos).
Parvalorem tinha sob a sua alçada, por exemplo, uma dívida de aproximadamente 17 milhões de euros da companhia de aviação OMNI – que chegou a ser notícia pela utilização de um jato seu, um Falcon 900B, para transporte de mais de meia tonelada de cocaína. Depois há terrenos (sobretudo nos distritos de Porto e Santarém, onde estão 50% dos imóveis), imóveis para habitação, espaços comerciais e armazéns.
Nesse exercício de 2022, segundo o relatório e contas, a Parvalorem venceu processos judiciais que lhe conferirem ativos imobiliários importantes como um chalet em Madrid e um conjunto de terrenos na ilha de Porto Santo. Cerca de 57% da carteira imobiliária dizia respeito a terrenos, 22% a espaços comerciais e 9% a habitações. Quase 90% dos imóveis valia menos de 250 mil euros e 57% valem menos de 50 mil euros.
Entre os ativos estão, também, participações sociais em empresas insolventes.
Além de penalizar o exercício orçamental de 2023, o reconhecimento destas perdas colocou Portugal mal na fotografia, na última edição de um balanço feito anualmente pela Comissão Europeia sobre as ajudas estatais à banca. Segundo esse estudo, citado pelo Jornal de Negócios, o impacto da Parvalorem no saldo, somado ao efeito dos impostos por ativos diferidos do Novo Banco, deu a Portugal um registo ainda pior do que o da Grécia em 2023 – quase 0,5 pontos percentuais de défice adicional (na Grécia o impacto orçamental das ajudas à banca neste ano foi de 0,45% do respetivo PIB).
A boa notícia é que, neste exercício orçamental de 2024, “o efeito de base destas medidas temporárias ou não recorrentes, bem como o resultado orçamental apurado em 2023, constituem um ponto de partida anual substancialmente mais favorável do que o previsto” no Orçamento do Estado que está em vigor, diz a UTAO.
O Observador contactou o Ministério das Finanças (agora liderado por Joaquim Miranda Sarmento), para obter mais esclarecimentos sobre as perdas da Parvalorem e sobre os planos para o futuro mas a tutela não fez comentários.