Perante os funcionários do centro hospitalar, a ministra da Saúde elencou, há cerca de um ano, as vantagens do modelo. “Os CAC estão capacitados para a inserção nas redes europeias de referência de doenças raras e complexas e para o reconhecimento internacional de várias áreas específicas como Centros de Excelência de diferenciação clínica e científica, que já hoje perigam por falta de financiamento dedicado e obrigam a mais tempo de dedicação dos profissionais de saúde por cada doente tratado”, sublinhava a ministra, para logo depois acrescentar que, “a par com esta atividade diferenciada, os CAC assumem enormes responsabilidades no ensino pré e pós-graduado, em atividades realizadas a par com muitas outras atividades indiferenciadas que já hoje causam desgaste e desmotivação nos profissionais”.
“Por isso, o caminho seria certamente o da articulação com os Cuidados de Saúde Primários, com projetos inovadores, que aproximassem a medicina hospitalar da medicina na comunidade, através de uma valorização crescente da prevenção e de uma projeção do diagnóstico e tratamento para fora do ambiente das enfermarias, reservando os hospitais para situações agudas e complexas”, defendia Ana Paula Martins.
Não é de estranhar, por isso, que a ministra da Saúde se prepare para acolher a proposta da Comissão Técnica Independente, no sentido de extinguir as ULS nos hospitais universitários. Contactada pelo Observador, fonte do ministério não abre o jogo sobre o que Ana Paula Martins fará em relação à proposta da Comissão Técnica Independente relativamente a estas estruturas do SNS. Mas deixa nas entrelinhas a ideia de que, a ser proposta, a mudança de modelo vai avançar. “A ministra tem dado voz aos especialistas para ouvir as opiniões técnicas. É com base nelas que se tomam as decisões. No caso das ULS, não será diferente”, diz a mesma fonte.
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Foi, aliás, por causa da discordância em relação à transformação dos hospitais universitários em ULS que a atual ministra se demitiu da liderança do então Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte, em dezembro do ano passado. A generalização das ULS a todos os hospitais do SNS foi apelidada, ainda no verão de 2023, pelo então diretor-executivo do SNS, Fernando Araújo, como a maior reforma já feita no modelo de organização do sistema público de saúde desde a sua criação, em 1979. O médico hematologista, que deixou o cargo em junho depois um conturbado período de coexistência com Ana Paula Martins, garantia que o modelo de ULS — que integra, sob a mesma administração, os cuidados hospitalares e os cuidados de saúde primários — iria colocar “o foco nas pessoas, nas suas necessidades individuais e familiares”, melhorando a eficência na prestação de cuidados à população.
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Ana Paula Martins considera que o modelo de ULS agrava o subfinanciamento dos hospitais universitários, estruturas que, mesmo quando estavam integradas em Centros Hospitalares, registavam défices na ordem das dezenas de milhões de euros todos os anos. “Um hospital universitário é muitíssimo diferenciado. Não pode e não deve ser financiado por capitação [o valor de referência atribuído a cada utente]”, defendia a atual ministra da Saúde, numa entrevista ao Público em janeiro deste ano, lembrando que os hospitais universitários recebem doentes mais complexos, o que implica a prestação de cuidados muito diferenciados e um maior financiamento por doente. Os Centros Académicos Clínicos resolvem, à partida, esse problema, uma vez que preveem um modelo de financiamento reforçado para os centros de referência nacionais e internacionais dos hospitais que os integrem.
Em junho, a ministra da Saúde já tinha adotado, na Assembleia da República, uma posição de força contra as ULS em hospitais universitários, dizendo, sem margem para dúvidas, que o atual “governo não tem nenhuma posição de princípio contra as ULS no seu todo”, mas sim “relativamente aos hospitais centrais e universitários”.
Ana Paula Martins sublinhou a falta de evidência favorável à extensão do modelo de ULS a estas unidades. “Até à data, não existem dados que nos permitam concluir que este deve ser o caminho a fazer. Também a avaliação financeira da UTAM [Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial] não foi favorável”, disse ainda a titular da pasta da saúde, citando um artigo, publicado numa revista internacional, que diz que “é importante considerar os riscos inerentes ao modelo”. Lembrou também que “algumas das primeiras ULS nunca demonstraram vantagens significativas”.