A ministra da Justiça já tinha dito em entrevista ao Observador em junho que o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) “não estava a funcionar”. Agora chegou a altura das decisões: Rita Alarcão Júdice quer alterar o “quadro institucional do sistema de prevenção da corrupção” e a “estrutura de governança” do MENAC” — o organismo que fiscaliza o cumprimento do Regime Geral de Prevenção de Corrupção nas entidades públicas e privadas com mais de 50 trabalhadores.
Em artigo opinião exclusivo publicado no Observador para assinalar o Dia Internacional Contra a Corrupção, a ministra da Justiça anuncia que vai apresentar em breve uma proposta para “discussão e aprovação” no Conselho de Ministros de uma nova orgânica do MENAC — que diz estar “excessivamente centrada” na figura do presidente do organismo. Rita Alarcão Júdice quer acabar com o mandato único de seis anos do líder do MENAC (criando um de quatro anos, com a possibilidade de uma renovação) e quer dotar o organismo de quadro próprio de pessoal. Tudo para dar “mais eficácia à atuação do Mecanismo”, enfatiza.
Onde houver integridade, a corrupção não prospera
Ao que o Observador apurou, as mudanças no MENAC passam também pela saída do conselheiro Pires da Graça da liderança do organismo criado pelo Governo de António Costa em 2021. Além de ter sido uma solução de recurso indicada em junho de 2022 pela então ministra Catarina Sarmento e Castro — a primeira opção do Governo Costa era a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, que rejeitou o convite por discordar da orgânica do MENAC —, Pires da Graça tem sofrido muitas críticas internas pelo seu estilo de liderança.
Além da regulação do lóbi — cuja proposta já foi apresentada pelo PSD no Parlamento em consonância com o Governo —, a ministra da Justiça quer avançar também com as novas regras para a perda alargada de bens.
“Até 31 de janeiro de 2025, teremos uma proposta de criação de um novo mecanismo de confisco de bens, em linha com a recente Diretiva da União Europeia”, escreve. Rita Alarcão Júdice faz questão de dizer que a “Constituição” é “a nossa linha intransponível”, o que significa que o Governo vai tentar apresentar uma proposta à ‘prova de bala’ de eventuais inconstitucionalidades que está a ser trabalhada por um grupo de especialistas há vários meses.
Lei portuguesa já admite perda alargada de bens sem condenação? Magalhães e Silva diz que sim
Recorde-se que a ministra da Justiça tinha anunciado em junho a possibilidade de se avançar para um regime de perda de alargada de bens sem condenação transitada em julgado em determinadas situações: prescrição do processo, morte dos arguidos ou até doença prolongada.
A ideia causou polémica na comunidade jurídica, tendo vários juristas colocado em cima da mesa o conflito entre essas possibilidade e o princípio estruturante da presunção de inocência — que impede, por exemplo, a execução de qualquer pena sem trânsito em julgado.
Mas o Governo diz que está simplesmente a aplicar a Diretiva 2024/1260 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de abril de 2024. O advogado Manuel Magalhães e Silva, conotado com o PS, disse na altura ao Observador que “a perda alargada de bens sem condenação já existe na nossa lei” para algumas situações e para alguns crimes.
“Por maior investimento que se faça na prevenção e na educação, a atuação repressiva e punitiva por parte do Estado é indispensável, apurando as responsabilidades individuais pela prática de atos de corrupção e aplicando as correspondentes sanções. A repressão eficaz das condutas corruptivas constitui ela própria um meio de prevenção deste fenómeno”, defende a ministra no artigo de opinião agora publicado no Observador.
Rita Alarcão Júdice deixa ainda em aberto a possibilidade de se aprofundar a fiscalização da área das autarquias locais — “em que se centra parte significativa das denúncias de corrupção: 48,5% das comunicações feitas ao MENAC”, enfatiza no seu artigo de opinião.
“Pretendemos introduzir um novo dinamismo, reforçando o quadro institucional das inspeções, de avaliações e auditorias regulares, centradas na contratação pública, no urbanismo e na própria gestão e administração dos órgãos autárquicos” diz. Até porque, no âmbito da “política de descentralização” em curso, irá ocorrer uma transferência de competências relevantes da administração central para as autarquias.
Assim, e em “articulação com as áreas governativas da Presidência do Conselho de Ministros [Leitão Amaro], das Finanças [Joaquim Sarmento] e da Coesão Territorial [Castro Almeida]”, o Ministério liderado por Rita Alarcão Júdice está a “ponderar a melhor solução para a autonomização desta vertente inspetiva, que esperamos poder apresentar em breve”, revela.
Recorde-se que a antiga Inspeção-Geral da Administração Local foi extinta no tempo da troika e as suas competências foram transferidas para a Inspeção-Geral das Finanças (IGF). Contudo, diz Júdice, a “IGF não está especialmente vocacionada para assegurar, com eficácia, a necessária função de controlo e pedagogia” da administração local.
Na área da Justiça Penal, a ministra da Justiça vai avançar com a criação de um novo grupo de trabalho para “elaborar uma proposta de alteração do Código de Processo Penal, no sentido de promover a celeridade processual e da eficácia da justiça penal, nomeadamente no âmbito dos megaprocessos.” Tal proposta do Governo terá de ser apreciada pela Assembleia da República.
Recorde-se que o Programa do Governo de Luís Montenegro tem vários objetivos para a reforma do processo penal, sendo um deles revisitar as regras dos recursos e dos incidentes processuais.