De resto, ainda antes da formação do Governo, o mesmo Cunha Vaz tinha, em conjunto com elementos da equipa de coordenação política, sinalizado as pastas da Administração Interna e da Saúde como aquelas que teriam de receber especial atenção por parte do Executivo. Não é preciso muito para perceber porquê: basta pensar o que tiveram de enfrentar Constança Urbano de Sousa e Eduardo Cabrita (na Administração Interna) ou Adalberto Campos Fernandes e Marta Temido (na Saúde) até finalmente caírem. É quase sempre por ali que os problemas se vão acumulando em qualquer governo.
Na Saúde, e depois de um arranque algo trémulo, que chegou a envolver um puxão de orelhas em público do Presidente da República no verão, em plena crise das urgências, Ana Paula Martins foi conseguindo afinar parte da mensagem e arrepiar caminho — também com media training, à semelhança do que aconteceu com outros ministros, como Rosário da Palma Ramalho, do Trabalho e da Segurança Social. Mas a ministra da Saúde continua a caminhar sobre gelo fino e o estado de graça (se existiu) está muito perto de se esgotar.
Na sexta-feira, o Expresso acrescentou mais um problema à lista: afinal, de acordo com o semanário, a ministra da Saúde, que se tinha dito surpreendida pela greve dos técnicos do INEM, recebeu um pré-aviso com 10 dias de antecedência e ignorou os constrangimentos que uma greve desta natureza poderia causar no atendimento de doentes. Entretanto, e depois de uma reunião de emergência com os sindicatos, Ana Paula Martins conseguiu travar a greve e em breve será colocado em prática um plano de contingência para tentar resolver os problemas identificados.
Numa semana em que terão morrido pelo menos nove pessoas por atrasos na prestação de socorro por parte do INEM (a associação entre estes incidentes e a greve não está ainda comprovada), o dano político já estava causado. Sobretudo porque é mais uma dor de cabeça numa área que está a dar problemas desde o início da legislatura e que portanto já deveria ter merecido outra atenção. Primeiro, o Governo tinha afastado Luís Meira. Depois, escolheu Vítor Almeida, que ficou no cargo uma semana até bater com a porta. Por fim, Sérgio Dias Janeiro assumiu a presidência do INEM em regime de substituição por dois meses e esteve 52 dias em funções para lá do prazo previsto.
Tal como aconteceu com Blasco, a oposição, da esquerda à direita, vai pressionando Montenegro a perceber se a ministra tem ou não condições para continuar. Na sexta-feira, no mesmo dia em que o Expresso fez chamada de capa com a história da greve do INEM, a ministra cancelou toda a sua agenda alegando uma indisposição. Marcelo Rebelo de Sousa apareceu mais uma vez a exigir soluções imediatas. E o primeiro-ministro, por sua vez, foi recorrendo ao velho chavão de que os problemas não se resolvem com demissões — frase batida e dita por todos os chefes de Governo antes dele até varrerem efetivamente ministros problemáticos.
No entanto, e ao contrário do caso que envolveu a ministra da Administração Interna, que deu efetivamente um tiro no próprio pé, desta vez, o primeiro-ministro tentou contextualizar a questão e foi mais longe na defesa da sua ministra (pelo menos, foi mais palavroso). Mesmo dizendo não ter tido conhecimento do pré-aviso de greve às horas extraordinárias dos técnicos de emergência (que a ministra recebeu e que pelos vistos não partilhou com o chefe de Governo), Montenegro rejeitou a ideia de que se tenha perdido tempo para desmobilizar o protesto.
“Não se andou a perder tempo. Estamos em diálogo permanente com todas as áreas e profissionais da administração pública, [mas] evidentemente que não podemos andar todos os dias atrás de pré-avisos à greve e a fazer reuniões de emergência”, referiu o primeiro-ministro, antes de segurar, mais uma vez, a sua ministra. “A consequência política não é mudar pessoas para o problema continuar. É o contrário, é resolver o problema para que nós possamos continuar cada vez mais a prestar bom serviço.”
Seja como for, há muito que vai correndo nos bastidores a hipótese de haver uma remodelação governamental depois de aprovado o Orçamento do Estado para 2025 e que implique as saídas de, pelo menos, Margarida Blasco e Ana Paula Martins. Até ver, essa hipótese é completamente descartada pela equipa mais próxima de Montenegro. “Qualquer conversa sobre remodelação é intrigalhada. Não está nos planos, nem vai acontecer”, dizia há dias um influente social-democrata ao Observador. A menos que aconteça algo de extraordinariamente grave que obrigue a revisitar os planos.
Montenegro segura Margarida Blasco. Remodelação não está em cima da mesa