Nos anos seguintes, continuou a não ser bem visto pelo PT de Lula. Quando teve de se pronunciar sobre o caso da prisão de Lula da Silva (condenado em duas instâncias e depois absolvido no Supremo), Moraes foi um dos juízes que não aceitou o habeas corpus que pedia para colocar o antigo Presidente em liberdade.
Desde que Jair Bolsonaro foi eleito Presidente em 2018, as críticas a este juiz passaram a vir sobretudo da direita, por causa das investigações sobre o uso das redes sociais pelos bolsonaristas. Bolsonaro chegou mesmo a insultar Moraes em público, chamando-lhe “canalha”.
Em teoria, sim.
Tudo depende agora do que irá Musk fazer: assumirá uma posição de princípio e desafiará o juiz ou acabará por cumprir a lei, mesmo discordando dela? É claro que, em alternativa, pode recorrer judicialmente da decisão.
Se Musk reativar as contas banidas nos processos liderados por Moraes, para além da aplicação de multas, o juiz pode também pedir o bloqueio total daquela rede social no Brasil. Dentro do Supremo, contudo, há quem duvide que o magistrado avance para essa decisão: “Não pode morder o isco”, comentou um dos juízes ao jornal O Globo. “Ele até pode mandar prender os executivos da empresa no Brasil. Tirar do ar o X, jamais.”
Para já, a filial brasileira da empresa ainda está à espera da decisão da sede para saber se desbloqueia ou não as contas banidas, revela a CNN Brasil. Ao mesmo canal, alguns juízes do Supremo disseram estar convictos de que tudo não terá passado de um bluff de Musk e que este não irá desafiar a Justiça brasileira.
Se o fizesse, o X poderia vir a ter um rombo nas contas. É que, de acordo com o Washington Post, o Brasil é o quarto maior mercado da empresa, com quase 20 milhões de utilizadores. Também noutra empresa de Musk, a Starlink, o Brasil é um grande mercado, com a Amazónia a recorrer em massa ao serviço de banda larga por satélite do empresário.
Se Elon Musk quiser, contudo, marcar uma posição contra o que qualifica como um ataque à liberdade de expressão, pode desafiar Moraes. E aí a bola passa para o campo do juiz. “Musk age para provocar a Justiça brasileira”, resumiu à BBC Brasil Bruna Santos, membro da Digital Action. “Acho que a possibilidade de bloqueio do X é real.”
Aquilo que se assistiu no Brasil ao longo deste fim-de-semana foi uma divisão clara entre bolsonaristas a apoiarem Musk e petistas a defenderem Moraes.
O ministro da Advocacia-Geral da União (cargo semelhante ao de procurador-geral), Jorge Messias, denunciou “bilionários com morada no exterior” que se colocam em “condições de violar o Estado de Direito”. Já Paulo Pimenta, ministro da Comunicação Social, afirmou que a promessa de Musk de reativar os perfis é “um desrespeito” e disse que o milionário não está “acima da Constituição”. Do governo de Lula da Silva não se ouviram mais vozes até agora.
Já o seu partido, o PT — que em tempos criticava a nomeação de Moraes para o Supremo — emitiu agora uma nota onde escreve que “o bilionário ameaça diretamente o Estado de Direito democrático e as instituições do nosso país” e cola-o “à campanha de mentiras de Jair Bolsonaro contra a Justiça brasileira”.
Do outro lado, alguns congressistas bolsonaristas defenderam o empresário sul-africano. Carlos Jordy escreveu — precisamente no X — que “Musk teve mais coragem para defender a democracia do que todo o Senado”. O deputado Nikolas Ferreira alinhou pelo mesmo tom, partilhando uma imagem de uma das publicações de Musk com a legenda escrita em inglês “Tomates. Obrigado, Elon Musk”.
Elon Musk teve mais coragem para defender a democracia do que todo o Senado Federal. Pacheco e demais senadores omissos que permitem essas atrocidades contra a Constituição deviam se envergonhar diante do que está acontecendo. pic.twitter.com/MmCwJZ18jL
— Carlos Jordy (@carlosjordy) April 7, 2024
Balls. Thanks,@elonmusk pic.twitter.com/SA0t6MEMQ5
— Nikolas Ferreira (@nikolas_dm) April 6, 2024
Mas a reação mais significativa foi a de Jair Bolsonaro. No X, o antigo Presidente partilhou um vídeo do seu encontro pessoal com Elon Musk em 2022, com a legenda: “Elon Musk é o mito da nossa liberdade” . Mais tarde, numa live do seu filho Eduardo Bolsonaro, Jair apareceu e voltou a falar do tema: “Teremos mais notícias amanhã. [Musk] diz que vai divulgar tudo que ele recebeu do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] sobre como eles eram pressionados a interferir no destino da política brasileira, dando força enorme para a esquerda. Isso vindo de fora, de forma documentada, é um alívio para nós”, disse.
– Jair Bolsonaro: “ @elonmusk é o mito da nossa liberdade” (20/maio/2022). pic.twitter.com/U0rPKBVFEC
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) April 7, 2024
O embate entre Musk e Moraes teve ainda outro impacto no campo da política: o deputado Orlando Silva, relato de um projeto de lei falhado para regular as redes sociais, anunciou que vai pedir para o projeto voltar a ser votado na Câmara dos Deputados. O projeto de lei foi inicialmente chumbado, depois de vários deputados terem mudado a sua orientação de voto antes da votação final. O jornal Estado de S . Paulo publicou uma investigação que dá conta de que essa mudança aconteceu depois de um intenso processo de lobby de algumas empresas tecnológicas junto dos congressistas. Curiosamente, entre elas estavam o Google e a Meta, mas não o X.
É evidente que sim. O confronto entre Musk e Moraes ilustra um debate que tem vindo a fazer o seu caminho em vários países, na sequência da ascensão de forças políticas populistas: deve a liberdade de expressão nas redes sociais ser um valor absoluto ou deve o Estado ter o poder de limitar algum conteúdo, como a desinformação e o discurso de ódio?
Elon Musk tem sido um defensor aguerrido de uma liberdade de expressão sem limites nas redes sociais, classificando algumas ações dos Estados para limitar publicações como uma forma de censura. Desde que comprou o X, a plataforma passou a ter regras de moderação muito menos apertadas do que tinha antes.