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Movimento 4B sul-coreano — como viver sem homens — ganha força nos EUA depois da vitória de Trump – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 12, 2024

O movimento 4B não é de agora, mas multiplicou-se nas redes sociais nos Estados Unidos na sequência da vitória de Donald Trump nas eleições de 5 de novembro. Pretende adotar uma posição vincada contra a desigualdade de género e boicotar por completo os homens.

Nascido na Coreia do Sul, tem tido uma grande atenção internacional pela mensagem em que se centra: a oposição ao sexismo estrutural, à misoginia e ao patriarcado no país. E agora espalhou-se amplamente pelas redes sociais, tendo como principal objetivo desafiar as normas patriarcais e a violência de género sentidos nos EUA.

O nome do movimento “4B” refere-se a quatro “bi” (“não” em coreano), que as mulheres decidiram adotar: o bihonnão ao casamento heterossexual —, o bichulsannão à maternidade —, o biyeonaenão aos encontros amorosos — e o bisekseunão às relações sexuais heterossexuais.

Logo no dia a seguir à eleição de Donald Trump, que tem tido uma posição pouca clara em relação ao aborto — ora diz que a decisão cabe a cada estado, ora chama para si os créditos de ter revogado a lei que permitia ao governo federal impor o aborto em todos os estados —  o movimento 4B ressurgiu nos Estados Unidos. E com ele trouxe toda uma polémica em torno dos vídeos no Tiktok ou comentários no X, com mulheres feministas a incentivarem a prática dos 4B defendidos e outros a criticá-las e a ridicularizar o movimento.

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@prettyboymessiah

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Segundo dados revelados pelo The Guardian, na quarta-feira depois das eleições, as pesquisas no Google por “4B” aumentaram 450%, sendo que o maior interesse vinha dos Estados em que Kamala Harris foi a vencedora:  Washington DC, Colorado, Vermont e Minnesota.

Sem querer revelar o seu apelido, McKenna, de 24 anos, moradora num estado rural e conservador, afirmou ao The Guardian que “é de partir o coração saber que neste país só importamos se formos um homem branco heterossexual”. Por isso, tomou uma decisão “Não vou deixar outro homem tocar-me até que tenha os meus direitos de volta.”

Este é só mais um entre tantos outros relatos nas redes sociais de feministas radicais que têm repetido “a nova lei dos 4B’s”.

“Mulheres americanas, parece que está na altura de serem influenciadas pelo movimento 4B da Coreia”, escreveu uma mulher no X.

Uma segunda afirmou que “é bom que o movimento 4B esteja ativo. quero que o mundo os ouça… comecem a diminuir a sua população e economia. Não há país para governar se as taxas de natalidade começarem a diminuir. Não cedam até que eles comecem a ouvir. Começarão então a entrar em pânico.”

Uma outra mulher disse que “o movimento 4B, e o movimento separatista em geral, não se trata apenas de evitar os homens — trata-se também de apoiar e investir nas mulheres”. Ou seja, “procurar relações com mulheres, empresas detidas por mulheres, meios de comunicação social criados por mulheres, etc.; rodear-se de mulheres e da nossa cultura.“, afirmou esta feminista.

Por outro lado, os ditos conservadores, entre figuras públicas e a população em geral, têm-se manifestado nas redes sociais, com comentários humorísticos e provocatórios contra o movimento.

@literally_mable_pines

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O influencer, Joey Mannarino escreveu o seguinte: “As mulheres liberais estão agora a considerar começar algo chamado o movimento 4B para implicar com os homens que votaram em Trump em grande escala. Esse movimento significaria que elas se recusariam a casar, namorar, ter relações sexuais ou ter filhos com homens. Então, a esquerda vai retirar-se intencionalmente do património genético? Isso parece-me uma dádiva, não uma maldição.

Charlie Kirk, o ativista ultra-conservador e diretor executivo do Turning Point USA, afirmou na rede social X que “As mulheres liberais radicais estão a passar-se depois da vitória esmagadora de Donald Trump, dizendo que se vão juntar ao movimento 4B e recusar namorar com homens, casar, ter relações sexuais com homens ou ter filhos. Veem, eu disse que Donald Trump seria o presidente mais pró-vida da história.”, ao que Nick Sorter, uma personalidade da internet, respondeu “Os democratas estão a recusar-se a multiplicar-se? Conseguimos, malta. A América é grande de novo.”

Segundo os resultados das eleições, a maioria dos eleitores de Donald Trump foram homens, particularmente jovens.

No entanto, os resultados finais mostraram que a candidata republicana não chegou a conseguir conquistar o eleitorado feminino, apenas 45% das mulheres votaram em Harris, enquanto que 44% escolheu Trump. Quanto ao eleitorado masculino, 54% dos homens votaram em Trump contra 44% em Harris, segundo estudos da BBC e do Washington Post., apesar de o aborto ter sido um dos temas centrais da campanha da democrata.

Não se sabe exatamente quando é que o 4B surgiu, por ser um movimento anónimo e offline. Há quem diga que foi em 2019,  mas os académicos atribuem o seu aparecimento ao meio universitário, quando as mulheres começaram a ser mais do que os homens (a partir de 2000) e como reação à forma como são vistas e tratadas na sociedade sul-coreana.

São vários os dados que evidenciam as diferenças sobre as condições de vida das mulheres quando comparadas com os homens na Coreia do Sul, nomeadamente em pontos como a educação, a violência doméstica e também no capítulo salarial. Segundo dados da OCDE (2021), as sul-coreanas recebem menos 32,5% do que os homens, por exemplo.

Num artigo publicado pelo The Conversation, a investigadora coreana, Min Joo Lee, que atualmente vive nos EUA, descreveu o movimento 4B como o pico “da animosidade entre homens e mulheres” na Coreia do Sul, onde os crimes sexuais online são um problema que tem vindo a intensificar-se ao longo dos anos. Em 2018, foram relatados 2.289 casos de crimes sexuais digitais, sendo que em 2021, o número multiplicou-se por cinco, para 10.353.

Segundo um relatório de 2018 da Womenlink, nos últimos nove anos, pelo menos 824 mulheres foram mortas e outras 602 ficaram em risco de morte devido à violência por um parceiro. Outro estudo de 2021 da Hankyoreh revelou que uma em cada três mulheres coreanas foi vítima de violência doméstica, tendo sido os parceiros íntimos responsáveis por 46% destes casos.

Há ainda relatos de mulheres solteiras, no The Cut , que são obrigadas a viver com os pais ou precisam de mais do que um emprego para se conseguirem sustentar.

A realidade no país acabou, assim, por contribuir de forma decisiva para a posição entretanto assumida pela mulheres que estão nas fileiras do movimento 4B: desligaram-se completamente dos relacionamentos tradicionais, dizendo que praticar bihon é o único caminho para a possibilidade de uma autonomia feminina. Como explica Yeowon, natural de Busan, ao jornal The Cut: “Praticar bihon significa que se está a eliminar os riscos que advêm do casamento heterossexual ou do namoro”.

O movimento alinha com outras manifestações femininas que rejeitam o papel tradicional da mulher na sociedade, como o movimento “Escape the corset”, que desafia os padrões de beleza impostos. Num contexto mais amplo, o 4B reflete a crescente insatisfação das mulheres com as suas condições de vida e o desejo que têm de mudar e reinventar as suas relações com os homens e com a sociedade: querem que a sociedade se transforme globalmente e reflita o entendimento do feminismo e dos direitos das mulheres no dia-a-dia.

A existência de uma retórica pró-natalista do governo sul-coreano, que tende a pressionar as mulheres a terem filhos para contrariar uma taxa de natalidade em queda, também tem vindo a gerar resistência por parte das mulheres a um sistema que continua a vê-las como reprodutoras e cuidadoras.

A professora de história em Birkbeck e autora de “Disgrace: Global Reflections on Sexual Violence”, Joanna Bourke, vê o movimento 4B como uma resposta natural a um cenário de violência de género e a uma pressão social que continua a relegar as mulheres a papéis limitados dentro de uma estrutura patriarcal.

Ao The Independent, a autora diz que não se surpreendeu “que certas mulheres jovens estivessem a dizer ‘já chega’”. A Coreia do Sul tem algumas das taxas mais elevadas de misoginia e de violência baseada no género do mundo desenvolvido. Isso é bastante surpreendente quando combinado com uma mensagem política pró-natalista — que o papel das mulheres é dar à luz, para criar mais coreanos.”





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