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não seremos todos hediondos de vez em quando? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 10, 2024

Os “homens hediondos” a que Nuno Cardoso dá corpo vão do deprimido ao grande amante, passando pelo porco, pelo misógino, pelo brutamontes, pelo sabe tudo, pelo ressabiado, pelo injustiçado ou pela vítima. A obra de partida sugere várias personagens e, nas produções que têm nascido a partir dela, essas personagens costumam ser interpretadas por um ator ou por diferentes atores. Aqui, vemos um só homem em cena, com o mesmo figurino.

Essa proposta de concentrar tudo numa única voz revela-se “mais complexa”, segundo Nuno Cardoso, “porque implica saltos de lógica, de emoção; mas, ao mesmo tempo, é como se todos nós tivéssemos várias gavetas e, em vez de a peça ser sobre uma gaveta que se abre, de cada gaveta que abres sai-te uma coisa que te leva a abrir outra gaveta”.

Um “livro coral” resultou numa “peça coral”, que envolve “umas 30 cabeças”, resume Cardoso, numa conversa pós ensaio-corrido. “Fizemos uma grande ária”, completa Portela. E porquê concentrar tudo só numa personagem? “Porque temos estes lados todos, e para nos podermos identificar”, responde ela. “Acho que é muito hipócrita, e também seguro, da nossa parte, acharmos que há coisas que não temos, que só eles é que têm.” Em nota de imprensa, já se lia que, “mais do que julgar em palco situações de sexismo, machismo, racismo ou misoginia, a encenadora pretende confrontar o público com aqueles momentos em que é apanhado a tolerar certos comportamentos e relações de poder”.

“O que tentámos fazer, como diz o Nuno, nestas gavetas todas, foi condensar uma vida inteira e situações extremas num só homem. E, com isso, convocar as pessoas, não para julgar este super-homem hediondo, mas, mais do que julgarem, poderem identificar-se com ele. Que é o mais difícil. Hoje vivemos na época da imagem, queremos identificar-nos com a celebridade não sei quê, queremos identificar-nos com o super-herói não sei quê. Toda a televisão, o sistema de imagens, as redes sociais, são feitos a usar essa manipulação e essa identificação constante com alguma coisa. Seja com o desgraçado, seja com a vítima, seja com o herói. E nós, aqui, tentámos que o público se identificasse com o pior de si próprio, neste super-homem hediondo.”

Para Patrícia Portela, “há um nível de mestria e de técnica” que tem de ser atingido antes de se levar a peça a palco, mas depois há o “lado da interação, da empatia e da identificação”. “Das coisas que acho mais interessantes, aqui, é conseguires identificar-te com este homem hediondo. E a identificação pode ser pela repulsa, pela empatia, pelo nojo, por um sorriso, por pena. Porque há imensos sentimentos estranhíssimos que metemos para baixo do tapete. É como se fosse um mega tapete que sacodes no palco, para ficar branquinho – sacudiste a areia toda para cima do espetador”, continua a encenadora, voltando-se para o ator.





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