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Napoleão, a ferrovia, António Vieira e o ministro – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Dez 30, 2024

O ministro das Infraestruturas e Habitação Miguel Pinto Luz é um defensor do Portugal dos pequeninos e vive ainda nos tempos de Napoleão, quando os governos, espanhol e português, decidiram construir uma ferrovia em bitola ibérica, diferente da europeia, para impedir as futuras invasões. E, tal como Napoleão, não dá satisfações a ninguém sobre as razões de Estado para tão estranha decisão, contenta-se em aceitar as instruções da poderosa empresa pública que se dá pela curta designação de IP.

Recordo que quase dois séculos depois das invasões napoleónicas tivemos a nova fase do “orgulhosamente sós” de Oliveira Salazar, ainda que não tão radical, porque não evitou que a ferrovia tenha sido durante muitos anos a forma preferida dos portugueses mais ilustres de chegarem a Paris e sem passar por Madrid, porventura uma escolha entre culturas. Ou, também possível, o resultado de uma velha estratégia nacional de séculos, de evitar a centralidade de Castela na sua concorrência de muitos anos com a centralidade de Lisboa. Antes Paris que Madrid, parece ter sido, por esses tempos, a preferência da cultura portuguesa, razão possível do ministro estar hoje pouco atento aos condicionalismos da história e se recusar a negociar com a Espanha a ligação ferroviária em bitola europeia, de forma a chegar a Paris em alta velocidade, porventura como a forma de irritar as preferências culturais dos portugueses mais ilustres.

Seja como for, uma coisa é certa: o ministro das Infraestruturas da AD segue as pisadas dos seus três ilustres antecessores – Pedro Marques, Pedro Nuno Santos e João Galamba – e dessa forma aposta seguro de si que não cheguemos a Paris, porventura nem sequer a Madrid, evitando por essa via a concorrência dos comboios vindos de outras paragens. E o facto é que tem alguma razão, porque dessa forma carimba pela via do seu governo o desígnio de Salazar sobre as vantagens de não sairmos da nossa casa.

É neste contexto que longe vão os tempos da insigne geração dos príncipes da segunda dinastia, que deram novos mundos ao mundo e, sem receio da concorrência internacional, velejaram rotas até aí desconhecidas. E, sendo certo que os tempos são outros, compreende-se pouco que existam hoje portugueses com a mania das grandezas, como seja a de quererem comboios portugueses que partam de Portugal a 350 quilómetros por hora em direcção a Paris ou Viena, uma barbaridade. Para isso bastam os aviões da TAP, um custo que temos a obrigação de ajudar a amortizar. Quanto a mercadorias não há problema, já que, por alguma razão, os espanhóis construíram junto à fronteira portuguesa as suas plataformas logísticas prontas para receber as exportações nacionais. Quanto a transportar os camiões em plataformas ferroviárias para as grandes distâncias, quando isso chegar logo se vê.

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Recordo que governos que fazem asneiras não constituem uma grande novidade, porque ao longo dos quase nove séculos da história portuguesa asneiras não faltaram, felizmente retratadas por cronistas, portadores no seu tempo de maior cadastro em compreender e prever o futuro. Entre esses portugueses saliento António Vieira, que viveu uma longa vida a anotar com tintas fortes os erros e as inações de D. João IV, não sem que se desdobrasse a propor alternativas de maior futuro, ao ponto de ter trazido da Holanda uma nau moderna para mostrar o atraso da marinha portuguesa, resultado de uma governação já esquecida dos tempos áureos dos descobrimentos.

No livro que publiquei, “Uma Estratégia Para Portugal,” encabecei cada capítulo com uma frase de António Vieira e para terminar este texto não encontro nada melhor do que recordar algumas dessas frases.

Sobre ignorância governamental – “Muito pouco disto ou pouco de juízo devem ter os que têm parte no governo presente, e só os desculpo com não terem visto mais mundo de que de Lisboa a Belém.”

Sobre o estado do País – “Portugal, senhor, está no mais miserável estado em que nunca o conheci ou considerei, e a maior miséria é o nosso engano, e a maior guerra a nossa mal-entendida paz.”

Sobre a ignorância – “Afirmo a V. S.ª que, devendo-me envergonhar muito haver na nossa terra traidores mais me envergonho de haver tantos ignorantes.”

Sobre estratégia – “que, quando não tenham outra vantagem mais do que os nossos portos, sempre é superior a tudo o que da Europa sem eles se pode pretender.”

Sobre Comunicação social – “E eu me ponho sempre da parte destes, pois não devemos condenar os amigos pela informação dos inimigos. Mas bom é acautelar dos que o são, e temer os que o podem ser, e fazer que o sejam uns e outros, o que só se pode conseguir pondo-nos em estado que nos hajam mister.”

Sobre indústria – “Em França há perto de trinta anos aprendi como tinha começado a enriquecer a indústria do Cardeal Richelieu, e não deixei de decorar a El-rei esta minha lição, como outra aprendida em Génova no ano de 50, onde soube que só um mercador sustentava 2000 mulheres a fazer meias; e, para dar de comer a tantas que vivem perdidas em Lisboa por pobreza, me pareceu escrúpulo de consciência não lhe darmos este socorro, tendo lã, linho, seda e algodão, com que ficaria no Reino o que por esta via nos rouba Inglaterra, França e Itália…

Sobre governação – Mas, como o que há basta para a ambição dos presentes, não querem aventurar nada com a esperança, porque possuem o que nunca esperaram”.

 

Sobre a falta de resposta – “É cousa tão natural o responder, que até os penhascos duros respondem, e para as vozes têm ecos. Pelo contrário é tão grande violência não responder, que aos que nasceram mudos fez a natureza também surdos, porque se ouvissem, e não pudessem responder, rebentariam de dor.”

Notas: As interpretações dos textos são minhas. Será interessante conhecer que tive de lutar com o corrector do computador para manter os textos originais como foram publicados.





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