É preciso atravessar pequenas casas até desaguar no imponente armazém de um azul nebuloso tal qual o céu açoriano. É no Bairro das Laranjeiras, já nas franjas do centro de Ponta Delgada, nos Açores, que se encontra a vaga, o espaço de arte contemporânea da associação organizadora do festival Walk&Talk, que na última década tem enchido a ilha de São Miguel com gente em busca de arte nas ruas.
Após obras de renovação, o portão do espaço vaga reabriu há poucos dias com o lançamento de um catálogo e uma exposição que celebram os 12 anos do Walk&Talk — que, depois de uma última edição em 2022, regressa agora num novo formato: uma “bienal-caminho”. A primeira edição está marcada para setembro de 2025.
Não há grandes mudanças no espaço, que abriu durante a pandemia. “Como não podíamos receber artistas na ilha, negociámos com os nossos parceiros institucionais a possibilidade de redirecionar esses fundos para a construção de uma nova instituição cultural para a cidade”, recorda ao Observador Jesse James, diretor artístico da Anda&Fala, associação que é financiada pelo Governo dos Açores, pela República Portuguesa/DGArtes e pela Câmara Municipal de Ponta Delgada. “A proposta foi bem acolhida e avançamos para um processo que, além de físico e construtivo, foi principalmente o de imaginar e erguer uma ‘casa’.” Chamaram-lhe vaga porque a sua missão “é mover, criar lastro”.
Tal como nas várias edições do Walk&Talk, em que a associação procurou e encontrou casa em vários espaços desocupados em Ponta Delgada, na vaga o espaço também foi mantido desimpedido de grandes estruturas, qual lugar de possibilidades infinitas cujo projeto de arquitetura — assinado pelo Mezzo atelier — potencia. O edifício de 500 metros quadrados está dividido em algumas áreas: uma oficina e armazém destinado à criação e produção, uma galeria com duas salas de exposição (uma delas um blackbox, que já acolheu, entre outras coisas, um cineclube), um foyer virado para a rua e uma casa propriamente dita, isto é, um espaço com uma ampla cozinha, biblioteca, zonas de trabalho e uma mezzanine com dois quartos para residências.
Por estes dias, é tempo de descobrir a exposição que acompanha o lançamento do catálogo, Walk&Talk 2011-2022: o que não sabes merece ser descoberto, sobre os processos, contextos e a “ação coletiva de erguer o festival”. Em junho, chegará uma mostra conjunta que examina as implicações culturais, sociais e políticas do descanso, do sono e do sonho. Em setembro, será hora de conhecer o resultado dos projetos desenvolvidos pelas três artistas vencedoras do Prémio Nova vaga, uma prova da atenção da associação à criação contemporânea nos Açores, com “a ambição de se constituir como um dos mais importantes prémios artísticos na região”.
O prémio sucede ao Jovens Criadores Walk&Talk, que entre 2013 e 2022 distinguiu artistas naturais ou residentes nos Açores com uma bolsa de criação, tornando-se uma ferramenta definidora de uma nova geração de artistas, entre os quais Beatriz Brum, João Miguel Ramos, Catarina Gonçalves, Joana Franco ou Cristóvão Maçarico. O novo prémio, de periodicidade bienal, passa a premiar três artistas com uma bolsa de criação de quatro mil euros, assegurando acompanhamento curatorial durante um ano e uma exposição final e coletiva na vaga. Será para descobrir no outono, na mostra de Isabel Medeiros, Joana Albuquerque e Sofia Rocha, com curadoria de Marta Espiridião. “O prémio introduz um espaço e momento importante, e que faltava afirmar, no sistema artístico na região, onde se oferece condições para os artistas crescerem e se apresentarem aos seus pares, a outros agentes e a um público mais amplo”, diz o diretor artístico.