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Notas sobre uma noite eleitoral inesperada – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 7, 2024

1 Para começarmos a perceber a enorme vitória de Donald Trump vale a pena olhar para os resultados eleitorais de bastiões Democratas, como o Massachussets, o Illinois, Nova Iorque ou New Jersey. Tomemos o exemplo da cidade de Chicago. Uma cidade rica, multicultural, com uma presença Afro-Americana fortíssima, foi o berço do movimento de Obama em 2008. Apesar de ter saído vencedora em Chicago, Harris teve um resultado francamente mau. À hora em que escrevo, em Cook County, a diferença entre Harris e Trump foi de 39 pontos percentuais. Em 2016, Hillary teve uma diferença de 53 pontos percentuais, enquanto Biden, em 2020, teve uma diferença de 50 pontos percentuais em relação a Trump.

2 Os números de Cook County, replicados em bastiões Democratas um pouco por todo o país, apontam um conjunto de problemas da campanha de Harris. Em primeiro lugar, a ausência de mobilização de minorias Hispânicas e Afro-Americanas. Em segundo lugar, ao contrário do esperado, a decisão Dobb do Supremo Tribunal, que pôs fim à protecção federal do direito à IVG, não levou a uma comparência em massa das mulheres suburbanas brancas.

3 Nos estados em que os Democratas dominam, a falta de forte mobilização eleitoral foi de somenos importância. Num sistema de winner-takes-all, a margem de vitória é irrelevante. No entanto, nos estados decisivos para a eleição, a falta de mobilização comprometeu completamente as aspirações de Harris. Ao contrário de Trump que conseguiu mobilizar não só a sua base, mas adicionar eleitorado que não tinha votado nele anteriormente, Harris não conseguiu ter um resultado melhor do que Biden num único condado em todo o país. À hora que escrevo, Trump prepara-se para vencer o voto popular com um resultado sensivelmente igual a 2020. A diferença estará na mobilização de Kamala, que terá perdido cerca de 10 milhões de votos em relação a Biden.

4 No partido Democrata a noite das facas longas já começou. Muitas pessoas apontam o dedo a Biden. Depois dos resultados surpreendentes das eleições intercalares de 2022, que deram uma vitória inesperadamente forte ao partido, Biden convenceu-se que ser-lhe-ia possível ganhar em 2024. O triste debate com Trump no início do Verão deixou à vista de toda a gente que Biden não tinha condições físicas nem psicológicas para aguentar novo embate. Kamala foi coroada, num processo rápido e limpo, e apoiada por todos os órgãos de comunicação social conotados com as elites liberais das costas.

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5 Em retrospectiva, tirando pequenos erros menores, não creio que Kamala tenha feito nada para comprometer o resultado das eleições. A partir do momento que se tornou oficialmente candidata, as sondagens passaram a indicar que a corrida se tornou competitiva. De resto, a mensagem da candidata era extremamente difícil de afinar. Carregava às costas o legado de Biden e da sua economia e, muito especialmente, da inflação. Em todas as eleições realizadas desde 2021 em economias avançadas, os incumbentes foram todos penalizados. Todas as sondagens mostraram que a economia, a inflação e a imigração eram os temas que mais preocupavam os eleitores, precisamente aqueles sobre os quais Kamala tinha maiores dificuldades em construir uma narrativa de alternativa ao status quo.

6 E agora? A vitória de Trump legitima-o de forma inequívoca, mais ainda do que em 2016, quando perdeu o voto popular de forma clara. Para além disso, nestes últimos anos, o establishment cosmopolita, liberal e intelectual do partido Republicano foi completamente delapidado. Não há forças dentro do partido que possam conter os problemas que Trump vai criar ao país e ao mundo. Pelo contrário, ao longo dos últimos anos, Trump preparou-se para este momento, através da criação de uma elite que o apoia de forma incondicional.

7 Para além da ausência de controlo dentro do próprio partido, os resultados destas eleições apontam para um caminho especialmente perigoso: a total ausência de checks and balances. Num sistema presidencial que, como nos ensinou Juan J. Linz, num famoso ensaio dos anos 90, contém perigos enormes, os controlos horizontais e verticais são essenciais. A confirmarem-se as previsões actuais, estaremos perante um cenário em que o partido Republicano de Trump, e convém sublinhar esta parte, controlará os ramos executivo, legislativo e judiciário.

8 Para além dos problemas internos que Trump possa causar, o seu plano internacional retirará, muito provavelmente, o apoio à Ucrânia, tornando inútil o esforço de centenas de milhares de soldados os quais, nos últimos anos, resistiram heroicamente contra a abjecção Russa. Para além disso, Trump prepara-se para expulsar imigrantes do país, impor tarifas e, muito provavelmente, fazer os Estados Unidos descolar da NATO. Numa palavra, Trump prepara-se para demolir o sistema internacional construído no pós-Guerra. Tem um mandato para isso. Como nunca acreditei na sabedoria das multidões nem do homem médio, permitam-me que esteja francamente desconfiado e preocupado.





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