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O Código dos Contratos Públicos (CCP) na Construção – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Dez 21, 2024

O Código dos Contratos Públicos (CCP) estabelece o quadro normativo e legal de referência para a contratação pública em Portugal, tendo o objetivo maior de proteger o interesse público sob princípios como os da imparcialidade, transparência, boa-fé, proporcionalidade e não discriminação. Basicamente, pretende-se criar condições, através de requisitos técnico-legais específicos, para que as entidades contratantes possam adjudicar contratos públicos aos proponentes mais competitivos, competentes e capazes, bem como garantir os mecanismos de monitorização e controlo mais adequados durante a execução dos contratos, salvaguardando assim o dinheiro dos contribuintes.

A aplicação do CCP abrange vários setores de atividade da economia, incluindo a construção, onde, pela sua elevada propensão a conflitos, que impactam no desempenho das obras (e.g. atrasos, sobrecustos ou defeitos de qualidade), os processos de contratação e controlo assumem particular relevância. De facto, demonstra-se que a maioria dos conflitos na construção surgem exatamente devido a insuficiência, ambiguidade ou incumprimento de especificações e requisitos contratuais.

Não obstante, o CCP tem representado vários desafios.

Embora frequentemente mais exigente do que as diretivas europeias que estão na sua origem (diretivas 2004/18/EC e 2014/24/UE), o CCP, inicialmente publicado em 2008 por via do decreto-lei nº 18/2008, já sofreu quase 20 alterações, refletindo a sua falta de assertividade em aspetos chave para o sucesso da contratação, em particular no domínio das obras públicas, que, apesar das alterações implementadas, continua a persistir.

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Para começar, não existem indicações claras para balizar a escolha do critério de adjudicação, que pode ser do tipo monocritério (preço) ou multicritério. Por condicionantes de complexidade, morosidade, e, sobretudo, falta de conhecimento e capacidade administrativa, opta-se frequentemente pelo critério do preço mais baixo, desprezando outros fatores, ao nível do candidato (e.g. organização, qualificação e experiência) e da proposta (e.g. qualidade, ambiente e segurança), potencialmente relevantes para o sucesso do contrato. Ademais, não existe a obrigação nem existem critérios específicos para definir as situações em que um preço proposto é considerado anormalmente baixo, aumentando assim o risco na avaliação de propostas com base no preço.

Um outro aspeto crítico é o conceito de “erros e omissões”, que abrange não só os tradicionais desvios em termos da natureza e quantidade dos trabalhos a executar em obra, mas inclui também questões relacionadas com a viabilidade construtiva (e.g. incompatibilidades entre os projetos de arquitetura e engenharia) e a adaptabilidade à realidade local (e.g. falhas na implantação do edifício). Embora os erros e omissões sejam provenientes da fase de projeto (conceção), o empreiteiro (responsável apenas pela execução), mesmo sem qualquer culpa, pode ter de assumir até 50% do valor dos trabalhos a mais resultantes de tais erros e omissões. A restante parte fica a cargo da entidade contratante, que, embora possa exigir uma compensação aos projetistas responsáveis pelos erros, raramente o faz, por vários motivos. O resultado é um processo geralmente injusto para o dono da obra e, em particular, para os empreiteiros, que tendencialmente já se encontram sob elevada pressão de custos e prazos, o que pode comprometer a qualidade da obra.

Uma solução mitigadora deste problema poderia passar por envolver o empreiteiro mais cedo, na fase de conceção, no âmbito de um processo colaborativo (e.g. “Early Contractor Involvement”) em que o empreiteiro acompanha ativamente o desenvolvimento dos projetos da obra, mas tal não está previsto no CCP. Não obstante, está previsto no CCP o caso limite em que o empreiteiro pode ser o total responsável pela conceção e execução da obra, apesar dos riscos associados à adoção deste modelo com empreiteiros de menor dimensão, que poderão não ter capacidade suficiente para gerir o desenvolvimento de um projeto para executar em obra de forma competente e capaz.

Outra questão refere-se à revisão do projeto de execução por uma entidade independente. Embora o CCP contemple esta medida para a maioria das obras, não existe ainda um enquadramento legal específico para a sua aplicação.

Por fim, enquanto o CCP fornece detalhes para a resolução alternativa de litígios via arbitragem, não explora outras possibilidades eventualmente mais eficazes, dependendo do caso (e.g. a adoção de “Dispute Resolution Boards”).

A resposta a estes e outros desafios depende de uma abordagem multifatorial que inclua medidas relacionadas com a aplicação de métodos de análise de decisão multicritério para apoiar a avaliação de propostas e a prevenção de preços demasiado baixos. A realocação da responsabilidade por erros de projeto aos respetivos autores, ao invés de penalizar a jusante donos de obra e empreiteiros, é também uma ação importante, assim como reforçar as possibilidades de envolver ativamente o empreiteiro na fase de conceção.

A saber, ao abrigo do direito administrativo, que tudo o que não é expressamente permitido pelo CCP, é proibido, pelo que as medidas deverão ser implementadas de forma clara e completa.

Os benefícios de um CCP mais assertivo no domínio das obras públicas são vários, não só considerando o respeito pelos princípios que o fundamentam, mas também pelo facto do Estado ser um dos maiores promotores no setor da construção, sobretudo através do investimento em grandes obras de infraestruturas (e.g. pontes, estradas, viadutos, escolas, etc.), e do CCP servir também frequentemente como referência (indireta) para os processos de contratação de obras particulares, para os quais geralmente não existem requisitos técnicos e específicos legalmente estabelecidos.

Posto isto, sabendo que constitui uma responsabilidade primordial do Estado a proteção do interesse público, a ação governamental é decisiva para o sucesso do CCP, requerendo-se para tal o envolvimento de todas as partes relevantes dos vários setores da economia, de natureza técnico-científica, além de jurídica, e com especial ligação ao setor da construção, dada a sua importância para esta lei e para o conjunto da economia do país.





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