Aproveitando a solenidade de Todos os Santos, fui visitar o Cónego Jeremias, para com ele conversar sobre a actualidade religiosa:
– Então, Senhor Cónego, que me diz do XVI Sínodo dos Bispos?
– Pois não sei se foi mesmo um Sínodo dos Bispos, porque também participaram e votaram padres, religiosos e leigos. Por isso, mais do que um verdadeiro Sínodo, que é expressão da colegialidade episcopal, melhor seria dizer que foi um simpósio, ou uma assembleia eclesial.
– Mas, que mal há em converter os Sínodos dos Bispos em assembleias eclesiais em que todos os católicos, qualquer que seja a sua condição, possam participar?!
– Mal, talvez, não haja, mas corre-se o risco de perverter a estrutura hierárquica da Igreja, que é fundacional. Se a ideia é constituir uma Igreja popular, não se está a reformar a instituição, mas a criar uma nova realidade, que já não seria a Igreja de Cristo.
– O tema deste Sínodo foi a sinodalidade na Igreja. Que se concluiu?
– Que, cito, ‘Uma verdadeira conversão, em direcção a uma Igreja sinodal, é indispensável para responder às necessidades actuais’. Pretende-se uma mudança de mentalidade, para que a Igreja seja menos clerical e mais colegial. Há padres e bispos que falam muito de sinodalidade, mas depois agem como donos e senhores da Igreja, sem sequer respeitarem o direito dos fiéis a que lhes seja pregada a Palavra de Deus, que substituem pelas suas opiniões políticas, e a que lhes sejam administrados os sacramentos. Ainda há sacerdotes tão clericais que impõem aos fiéis “os seus gostos e preferências”, substituindo-se “à vontade livre dos comungantes”, ou seja, negando-lhes um direito que lhes é reconhecido pela nossa Conferência Episcopal, no seu Directório Litúrgico para este ano (págs. 27-28).
– Um dos temas mais badalados pela comunicação social foi o da admissão de mulheres ao diaconado na Igreja católica. Que ficou decidido sobre este particular?!
– No n.º 60 do texto das conclusões do Sínodo, aprovado por uma ampla maioria, mas que também foi o que teve mais votos contra (97), lê-se: ‘Esta Assembleia convida a implementar todas as oportunidades, já previstas no direito vigente, em relação ao papel das mulheres, sobretudo nos lugares em que ainda não foram implementadas.”
– Então as mulheres já podem aceder ao diaconado na Igreja católica?
– Pelo contrário, porque, como aliás o Papa Francisco e o Cardeal Prefeito para a Doutrina da Fé já tinham antecipado, não era intenção do Sínodo, nem era da sua competência, resolver essa questão, nem alterar a disciplina vigente. O texto final limitou-se a afirmar que devem ser implementadas as formas de intervenção feminina “já previstas no direito vigente”. O Papa São João Paulo II já esclareceu que, na Igreja católica, não há lugar para o presbiterado e episcopado femininos.
– Ficou então definitivamente resolvida a questão do diaconado feminino?
– Para o Sínodo, ‘a questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal fica em aberto. É necessário continuar o processo de discernimento a esse respeito’. É pena que tenha ficado tudo na mesma, talvez porque o Sínodo não tem competência em questões doutrinais, apenas pastorais, ou por falta de coragem para tomar uma decisão definitiva, embora já esteja assente a sua inadmissibilidade em relação ao presbiterado e ao episcopado.
– E há novidades em relação ao papel dos leigos na missão da Igreja?
– Sim, sublinhou-se a conveniência de criar novos ministérios laicais: ‘Com o propósito de se adaptar às necessidades actuais, o Sínodo anima as dioceses a que reconheçam e formem os leigos para as funções ministeriais, tanto no âmbito litúrgico como nas áreas sociais e pastorais’.
É de aplaudir esta maior participação dos leigos, mas há que evitar a clericalização, que atentaria contra a sua laicidade. Não se trata de converter os leigos em sacristães, mas incentivá-los para que ponham as suas competências sociais e profissionais – como pais, professores, médicos, operários, contabilistas, etc. – ao serviço da Igreja local e universal. Os leigos podem também ajudar na implementação de mecanismos de prevenção de eventuais abusos de menores e de pessoas vulneráveis.
– Na homilia da Missa de clausura, como avaliou o Santo Padre o Sínodo?
– Ciente de que este processo manteve, durante três anos, a Igreja fechada sobre si mesma, para debater a sinodalidade, o Papa Francisco pediu agora aos fiéis um novo impulso missionário: “Uma Igreja sentada, que quase sem se aperceber se afasta da vida e se confina a si mesma à margem da realidade, é uma Igreja que corre o risco de continuar na cegueira e de se acomodar no seu próprio desconforto. E, se permanecemos sentados na nossa cegueira, continuaremos a não ver as nossas urgências pastorais e os muitos problemas do mundo em que vivemos. Por favor, peçamos ao Senhor que nos dê o Espírito Santo, para que não permaneçamos sentados na nossa cegueira; cegueira que pode ser chamada mundanidade, que pode ser chamada comodidade, que pode ser chamada ‘coração fechado’. Não permaneçamos sentados nas nossas cegueiras!”.
– Acha que a sinodalidade veio para ficar?
– Com certeza, mas convém não confundir sinodalidade com sinodalite, que é a tendência doentia de tudo problematizar, para manter a Igreja fechada em si mesma, entretida a fazer reuniões, emitir comunicados e criar comissões. Dizia, com humor, um saudoso bispo português, já falecido: Quando Nosso Senhor vier, não sei se nos vai encontrar unidos, mas reunidos com toda a certeza …
A Igreja não existe para si mesma, mas para o serviço da humanidade, através do anúncio do Evangelho, a celebração dos sacramentos e a vivência da caridade. Por isso, como disse Francisco na clausura do Sínodo, há-de ser “não uma Igreja sentada, mas uma Igreja em pé. Não uma Igreja muda, mas uma Igreja que acolhe o grito da humanidade. Não uma Igreja cega, mas uma Igreja iluminada por Cristo, que leva aos outros a luz do Evangelho. Não uma Igreja estática, mas uma Igreja missionária, que caminha com o Senhor pelas estradas do mundo.” Assim seja!