Para alguns analistas, isso explica-se em parte pela decisão da campanha de Harris de ter focado muita da sua mensagem no adversário, retratando-o como uma ameaça à democracia — nas últimas semanas de campanha, Harris não se acanhou de o apelidar de “fascista” e repetiu várias vezes que o ex-Presidente era “descontrolado e instável”. O conhecido especialista em sondagens Frank Luntz considera que isso custou a eleição a Harris: “Os eleitores já sabem tudo o que há para saber sobre Trump. Queriam era saber mais sobre os planos dela”, escreveu no X. “Foi um erro colossal por o foco em Trump e menos nas ideias da própria Harris.”
Kamala Harris lost this election when she pivoted to focus almost exclusively on attacking Donald Trump.
Voters already know everything there is about Trump – but they still wanted to know more about Harris’ plans for the first hour, first day, first month and first year of her…
— Frank Luntz (@FrankLuntz) November 6, 2024
John Sides, professor de Ciência Política da Universidade de Vanderbilt, fez o mesmo aviso durante a campanha. “É mais fácil ganhar vantagem com assuntos do dia a dia como a saúde do que com uma mensagem estilo ‘a alma da nação’ usada por Joe Biden, focada em Trump como ameaça à democracia.”
Já Bernwood Yost diz que era muito difícil ter certezas sobre o comportamento do eleitorado nesta eleição a priori e desconfia de quem tem muitas certezas nas previsões. Mas sublinha que agora, conhecidos os resultados, tornou-se evidente que esta não foi uma corrida definida pelo caráter dos candidatos. “Os dados mostram que até pessoas que têm uma perceção negativa de Trump votaram nele à mesma”, explica.
Perante este diagnóstico, o partido deverá agora enfrentar as brechas que se abrem após as derrotas. A primeira começa já a surgir sobre como apelar à classe trabalhadora — seja de que etnia for —, já que a classe parece ter-se notado no indicador mais fiável para determinar quem são os eleitores de Trump (as classes operárias e parte da classe média em dificuldades, sobretudo com menos escolaridade) e os de Harris (os eleitores com mais estudos). “Estamos a falhar porque não conseguimos chegar a eleitores da classe trabalhadora suficientes, não apenas os brancos, mas também os latinos e negros dessa classe”, notava um estratega do partido na Pensilvânia esta quarta-feira ao Politico.
Por um lado, há a questão económica. Os democratas reconhecem o peso da inflação na vida das pessoas, mas consideram que é fruto de fatores externos como a pandemia e a guerra na Ucrânia e mantinham esperança de que, com a melhoria económica dos últimos meses, isso fosse esquecido pelos eleitores — o que não aconteceu.
Por outro lado, há a perceção entre muitos eleitores de que o Partido Democrata está refém de uma elite urbana e confortável economicamente, na qual não se reveem. Van Jones, antigo conselheiro de Barack Obama, alertou para isso mesmo durante a campanha, dizendo que o partido não se deveria focar tanto em comícios com grandes estrelas e mais no trabalho porta a porta com eleitores. “A classe trabalhadora às vezes tem de escolher: ‘Vou àquele comício com um concerto fixe e pagar a uma baby sitter ou vou deixar isso para o dia em que precisar de ir votar’?”, disse na CNN.
A situação complica-se quando essa perceção de elite se interliga com temas de política identitária que muitos eleitores de classe trabalhadora e também de classe média se sentem desconfortáveis e que os faz afastarem-se do partido. Bret Stephens, colunista do New York Times (republicano, mas que votou em Harris), alertou para isso várias vezes nos seus últimos artigos, acusando os democratas de assumirem muitas vezes uma postura de “sobranceria”, “condescendência” e de “sentido de identidade acima de sentido de classe” que aliena muitos eleitores.