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O Estado e os Governos não têm que salvar a Comunicação Social. Também não têm que a matar. – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 23, 2024

O Plano de Ação para a Comunicação Social apresentado por este Governo para já valerá por iniciar uma discussão pública, que se pretende participada, sobre a Comunicação Social e pelas intenções que afirma de alteração integrada e pensada do enquadramento legislativo.

As medidas apresentadas ainda têm uma natureza avulsa ou mais emblemática, por si só pouco alterando de substancial, e carecendo ainda de uma definição mais detalhada.

Para já, quem estará a ganhar com este plano, através da medida financeiramente mais significativa de retirada de publicidade à RTP, serão os operadores que detêm uma posição mais dominante no mercado e que, na televisão (área onde o entretenimento tem peso acrescido face à informação), verão agora as suas receitas publicitárias aumentar.

Um plano de ação para os media só valerá realmente se vier a alterar substancial e estruturalmente o enquadramento legislativo e regulamentar, e a atuação do regulador do setor e de certa forma do da concorrência no sentido: a) da simplificação e desburocratização das normas do setor; b) do enfoque na criação de um mercado aberto sem abusos de posições dominantes nem de significativas promiscuidades e c) na definição, missão, organização e recursos necessários do serviço público e do seu principal, e até ao momento quase exclusivo, agente.

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O Estado e um Governo não têm que procurar salvar a Comunicação Social, nem se intrometer na sua gestão, porque tal não deve ser seu atributo e porque de qualquer forma não o saberão fazer.

O que pode matar o papel da Comunicação Social é interferir demais, procurar instrumentalizá-la ou manietá-la ou estabelecer relações privilegiadas com certos grupos mais dominantes do setor, sejam de origem estatal ou privada, promulgar legislação paternalista, burocrática e confusa.

Convém neste setor evitar tudo que se possa aproximar de uma vassalagem dos órgãos de Comunicação Social ao Estado e ao Governo ou de uma vassalagem, em sentido inverso, do Governo e Estado aos órgãos de Comunicação Social.

Na mesma linha deverá ser evitada qualquer maior promiscuidade, propiciadora de passagem de recados ou geradora de condicionamentos, entre os Órgãos de Comunicação Social e os atores políticos, económicos ou corporativos.

O que é essencial é que o Estado e o Governo assegurem na Comunicação Social um enquadramento favorável, aberto e transversal à sua atividade, que permita a prática de um jornalismo livre, escrutinador e independente e que se traduza numa verdadeira igualdade de oportunidades para todos os “players”, incluindo para os novos, estimulando o seu surgimento e a renovação dos existentes.

Tal passa principalmente por duas coisas:

  1. a existência de uma legislação adequada simples e clara, não datada;
  2. a existência de um órgão regulador do setor e o da concorrência, que saibam fazer cumprir a legislação, ambos independentes, focados no escrutínio e limitação dos poderes dominantes e no interesse público, e não numa micro regulação castradora.

O Governo decidiu apresentar o seu anunciado Plano de Ação para a Comunicação Social num evento designado de “O futuro dos media”, organizado por uma plataforma de meios que é constituída por apenas cinco entidades, incluindo os maiores operadores incumbentes privados do mercado.

Não terá sido uma boa escolha e por isso o Observador não esteve presente.

Este evento deveria ter sido organizado pelo Governo e apresentado em local neutro, e para o qual pudessem ter sido convidados os vários órgãos de Comunicação Social que nele quisessem estar presentes.

Sentar num evento destes o PM e ministros ladeados pelos principais dirigentes dos maiores incumbentes parece coisa do passado, transmitindo um sinal errado para o que seria uma nova e necessária fase de evolução/transformação.

Mas vamos ao principal, o plano do Governo e a sua apresentação.

Não deixam de haver razões para existirem “queixas” por parte dos órgãos de Comunicação Social.

É verdade que o valor do mercado português da Comunicação Social é diminuto, mesmo tendo em conta o nosso PIB, mantendo-se a um nível baixo o crescimento das receitas de publicidade, muito longe dos números do passado. Em parte, tal é o resultado de uma economia interna pouco dinâmica e inovadora.

E também é verdade que os grandes operadores digitais internacionais capturaram uma grande parte do negócio digital, mais de 70%, “usando” e por vezes abusando dos conteúdos dos publishers nacionais.

Tudo isto são, decerto, fatores condicionantes importantes para a atividade das empresas de Comunicação Social, prejudicando a sua rentabilidade e sendo por elas pouco controláveis.

Mas como já foi explicado em artigos anteriormente publicados sobre o Estado da Nação do setor (Comunicação Social à deriva e O papel do Estado na Comunicação Social) existem outras questões ainda mais importantes e que estarão mais na mão dos vários atores do setor resolver.

Uma primeira é o mau, burocrático, confuso e ultrapassado atual enquadramento legal.

Uma segunda é a deficiente regulação (e atuação dos reguladores) do setor da Comunicação Social em Portugal, em parte consequência da questão anterior.

Uma terceira é a incapacidade de muitos dos políticos (e outros grupos/entidades) para compreenderem, respeitarem e distanciarem-se suficientemente da Comunicação Social e, por outro lado, dos órgãos de Comunicação Social e jornalistas, de evitarem proximidades excessivas com os primeiros.

A quarta tem a ver com a redefinição do que deverá ser o grupo do Estado, principalmente o grupo RTP, que continua a ser o maior grupo de Comunicação Social em Portugal e que, apesar das crises, pouco se tem reestruturado, mantendo os seus 7 canais de rádio e 8 canais de TV, e os seus cerca de 1800 colaboradores com um custo médio de 53,3K€ por colaborador, custo esse mais do que 10% superior ao dos outros maiores operadores e mais do que 20% superior ao dos restantes.

A quinta, e entre as mais importantes, é o não atempado e insuficiente esforço de reestruturação, nomeadamente de reorientação estratégica e do modelo de negócio (que pode implicar emagrecimento) que em geral as maiores empresas incumbentes do setor têm demonstrado, pouco se confrontado, e não tirando as devidas ilações, das elevadas disrupções tecnológicas e de comportamento dos cidadãos, que nos últimos anos se têm verificado.

Não sendo a situação igual entre estas empresas, basta olhar para a sua desvalorização no mercado de capitais nos últimos 15 a 20 anos, que varia, e nominalmente, entre os 50 e mais de 90%, para questionar se estes não poderiam ter feito bastante melhor, nomeadamente se tivessem procedido a reestruturações mais profundas e principalmente tivessem sabido melhor aproveitar as oportunidades das disrupções tecnológicas, da globalização e dos hábitos de consumo e até da própria existência das grandes plataformas, que frequentemente apontam como as grandes culpadas disto tudo.

O plano do Governo não deixa de ter duas virtudes, sendo que a segunda está ainda por se comprovar:

  1. Promover uma discussão pública, aparentemente de forma mais aberta, participada e estruturada, sobre o setor da Comunicação Social;
  2. Identificar e comprometer-se com uma revisão transversal da legislação do setor no sentido do enfoque no essencial e que se espera se venha a caracterizar por uma maior simplicidade, flexibilidade e adaptabilidade ao desenvolvimento tecnológico, menos burocrática, mais aberta e transparente, com medidas preventivas de abusos de poderes dominantes e com uma maior clarificação do papel dos reguladores.

As medidas concretas apresentadas neste plano do Governo são mais de natureza emblemática e com potencial de impacto diminuto na regeneração do setor, estando ainda operacionalmente pouco detalhadas para que se possa perceber da sua aplicação prática. Tal não será grave pois, como já referido, nunca seria de se esperar que um Governo se faça de gestor, no sentido de desencadear múltiplas medidas e ações operacionais de alto efeito.

Para já, a medida mais concreta e definida será a da redução/eliminação da publicidade na televisão do grupo RTP que, na prática, acabará por se traduzir numa certa “benesse” para os operadores privados de TV.

Aqui, ao contrário do que dizem alguns atores e “opinadores”, faltou coragem ao Governo.

Faltou coragem porque apenas se tomou uma medida avulsa sobre a RTP, não se explicitando ou pelo menos aflorando com clareza as questões de fundo sobre o tema, mesmo que se pressuponha que queremos um grupo RTP detido pelo Estado. Deve ele manter a sua configuração, dimensão e intervenção atual? Até que ponto se pode evitar que ele próprio seja um elemento de distorção de uma sã concorrência no mercado?

E, finalmente, deverão os contribuintes/consumidores continuar a subsidiar na sua expressão atual, com 8 canais de TV e 7 de rádio e com um orçamento acima de 200 milhões de euros?

Claro que nesta matéria existirão, e ainda bem, sempre argumentos a dirimir.

E os defensores do grupo RTP na sua configuração e escala atual ou até maior, não deixarão de argumentar que o financiamento público do grupo estatal em Portugal é “apenas” de cerca de 20 euros per capita, quando a média da UE será do dobro, representando ainda este financiamento no total um peso inferior no PIB.

Mas também aí temos que ser mais rigorosos. Não só a questão não se resume apenas ao aspeto do contributo financeiro mas também uma tal comparação direta e apressada esquece que: a) a média europeia é muito influenciada por alguns países (como a Alemanha) que têm um valor de contribuição per capita “anormalmente” elevado”; b) as audiências obtidas pelo grupo RTP para os seus outputs (leia-se canais de rádio e TV) fica muito aquém das da maioria dos seus congéneres europeus, o que indicia que o grupo gastará demais para o impacto que terá e c) o valor das receitas de publicidade em Portugal face ao PIB são apenas cerca de metade da média europeia o que faz com que o valor da contribuição que a RTP recebe seja um valor desproporcionadamente elevado face ao valor que é acessível aos operadores privados do mercado.

A situação do setor da Comunicação Social não é boa, é preocupante, em termos da sua sustentabilidade e rentabilidade, com empresas na sua maioria frágeis e com recurso reduzidos e insuficientes. Em certos casos, as razões que levam acionistas a financiá-las não serão as melhores.

De uma forma geral, as compensações financeiras são escassas para quem trabalha no setor, as condições de trabalho difíceis e as exigências muitas. A motivação e a realização pessoal só são possíveis de alcançar a partir de um grande gosto e dedicação pela profissão e atividade e pela valorização de outros valores mais nobres de contributo para o bem comum da nossa sociedade.

O enquadramento legislativo e regulamentar e a atuação dos reguladores está muito longe do desejável e necessário.

Num mercado nacional que pouco cresce nas suas receitas, existem muitas distorções a uma sã concorrência, há pouca dinâmica de renovação, é difícil a entrada de novos “players”, não se assegurando uma verdadeira igualdade de oportunidades.

O papel da Comunicação Social não pode ser assim cumprido na sua plenitude, estando por vezes em causa a sua independência, qualidade e inovação.

Na informação, os comentadores proliferam (são um meio “económico” de preencher o espaço), o que não é necessariamente mau, havendo depois seleção, sendo que o mau é demasiados deles terem, alguns com lugar quase permanente na tela, uma agenda política própria ou de um partido, ou se transformarem em grande parte em meros passadores de recados.

A situação da nossa Comunicação Social deriva (como em outras áreas no país) de décadas de faz de conta, de deixa andar e de resistência e falta de coragem para a mudança, com vários responsáveis, desde logo políticos, mas também do setor, para além naturalmente de outros.

Talvez seja altura de fazer mais alguma coisa para que tudo não fique na mesma, sendo que, mais tarde ou mais cedo, na mesma não ficará decerto pois a insustentabilidade não deixará de ocorrer e a mudança por se impor, mas com adiamentos, maiores custos e sofrimentos, desnecessários.

Vamos agora ver se particularmente este Governo com o seu Plano e estes atores do setor saberão levar a carta a Garcia.





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