O feito mais marcante comummente atribuído a Quincy Jones é o de ter sido o responsável por lançar a carreira a solo de Michael Jackson. É compreensível — para a maioria, ser o produtor de discos como Thriller ou Bad seria suficiente para ter lugar garantido no panteão da pop e da música em geral. Mas “Q” não era como a maioria — aliás, o facto de ter direito a ser conhecido por uma mera letra e dessa alcunha ter-lhe sido dada por Frank Sinatra é indicativo do seu estatuto de excecionalidade.
Além de “The Voice” e do “Rei da Pop”, Jones trabalhou com Aretha Franklin, Dizzy Gillespie, Ray Charles, Miles Davis, Chaka Khan, Sammy Davis Jr., Barbra Streisand, Al Jarreau, Ella Fitzgerald Luther Vandross, Little Richard, Ice-T e Snoop Dogg, entre muitos outros. A sua lista de créditos é suficiente para esgotar tinteiros e é resultante de uma carreira de 70 anos na qual influenciou praticamente todo o espetro da música negra (sobretudo, mas não só) e estabeleceu novos padrões para a pop. Como tal, foi nomeado por 79 vezes para os Grammy, conquistando essas distinções em 28 momentos, o que o tornou num dos artistas mais premiados de sempre, apenas atrás de Beyoncé (32, atualmente) e do maestro Georg Solti (31).
Como escreve a Associated Press, “durante anos, era improvável encontrar um amante de música que não possuísse pelo menos um disco com o seu nome nos créditos, ou um líder na indústria do entretenimento e para lá dela que não tivesse alguma ligação com ele”. “Ele fez de tudo, foi capaz de pegar na sua genialidade e traduzi-la, em qualquer tipo de som ou tipo de direção que ele escolha. Acho que o fundamental, claro, é que o seu som vem da sua fome de viver, do seu pensamento de que qualquer género musical é igualmente válido”, declarou Herbie Hancock ao canal PBS em 2001, pianista com quem Quincy também trabalhou.
Em Jones, o talento musical apenas teve como rival o olho para o negócio, ou a “arte da conexão”, como apelidou o The New York Times. “Para além do seu trabalho prático com as partituras, organizou, encantou, persuadiu, contratou e validou”, escreve o jornal, descrevendo aquele que foi um dos primeiros executivos afro-americanos na indústria da música e cuja influência e sucesso também se estendeu a Hollywood e a outras formas de media. Píncaros difíceis de imaginar para quem veio de onde veio.
Nascido em plena Grande Depressão, a 14 de março de 1933, na famosa margem sul (South Side) de Chicago, Quincy Delight Jones Jr. cresceu no seio de uma família empobrecida e a braços com os problemas mentais da mãe, que foi internada quando o Jones ainda era uma criança. Criados numa barraca sem eletricidade pela sua avó em Louisville — ele e o irmão Lloyd —, no estado do Kentucky, ambos regressaram à “Windy City” na pré-adolescência para viver com o pai, que era um carpinteiro com ligações aos gangues da cidade.
Foi num ambiente de violência e de luta pela sobrevivência que Jones cresceu durante a infância. “Tudo o que via eram cadáveres, metralhadoras e charros, e pilhas de dinheiro nos quartos das traseiras. Quando tinha sete anos, pregaram-me a mão a uma vedação com uma navalha. Quando se é miúdo, quer-se ser o que se vê, e eu quis ser um gangster até aos 11 anos”, contou ao The Guardian em 2016.