O socialista Ricardo Leão deu um rugido que deixaria um antigo candidato à câmara de Loures, André Ventura, embevecido. Numa reunião de câmara, depois de PS e PSD aprovarem uma recomendação do Chega nesse sentido, o presidente da autarquia pediu a palavra para dizer que é “melhor revisitar” o regulamento municipal para que seja possível retirar a casa “sem dó nem piedade” a quem cometa crimes de vandalismo e seja arrendatário de habitações da autarquia.
O mesmo Ricardo Leão, em março de 2023, não aguentou ouvir Cavaco Silva a falar sobre o PER, o Plano Especial de Realojamento, que ajudou a terminar com as barracas em vários bairros na grande Lisboa. Saiu da sala quando o antigo presidente discursava porque, aparentemente, lhe feria os ouvidos estar naquilo a que chamou de “comício do PSD”. Mas muitas das posições que tem tomado na câmara de Loures podiam muito bem fazer parte de um comício do Chega.
Antes de ser o Batman dos despejos, o autarca de Loures já tinha tomado várias posições que fazem parecer André Ventura um moderado. Em julho de 2022, Ricardo Leão, agastado com uma dívida de 1,8 milhões em refeições, quis alterar o regulamento municipal por este garantir que “em caso algum a criança deixa de comer independentemente de o pai, mãe ou encarregado não pagar”. E, com justiceira bravura, dizia: “Vamos ter de alterar isso. Não se pode permitir que [os pais] não consigam pagar dez euros por mês, mas depois vemos as pessoas a tomar o pequeno-almoço na rua todos os dias e a fazer a vida que fazem. Comigo não há hipótese.”
O autarca sugeria mesmo, como mecanismo para pressionar os pais, que as crianças passassem fome: “O que vamos fazer é o seguinte: se a criança, ou o pai e a mãe, não pagam a refeição, vai ter que ser feita uma avaliação por uma assistente social. Se a assistente social disser que tem que continuar, continua-se. Se disser que há condições e que o pai e a mãe não pagam só porque se aproveitam da fragilidade do sistema, então aí a criança não come”. Ou seja: a opção do autarca não era obrigar os pais a pagar judicialmente o que deviam, mas sim deixar os filhos passar fome.
Mais recentemente, a 2 de outubro de 2024, colocou-se, em entrevista à Renascença, ao lado de Carlos Moedas para defender que a Polícia Municipal deve poder fazer detenções. E admitia, mais uma vez, estar isolado ao lado do presidente da câmara de Lisboa: “Se calhar vou ser dos poucos a dizer que sim.”
Ricardo Leão é securitário, o que até pode vir em linha com a tradição do PS em concelhos com bairros problemáticos (como Joaquim Raposo e Carla Tavares, na Amadora; ou Carlos Teixeira, em Loures). Mas também é presidente de uma das maiores federações do PS (a da Área Urbana de Lisboa) e será, precisamente, um player da escolha, por exemplo, do candidato do PS a Lisboa. As posições de Leão criam a insólita situação de a concelhia atacar Moedas com medidas que o seu presidente da federação defende.
O autarca é, por tudo isto, um problema para o PS — mesmo que estas posições até lhe garantam a reeleição. Pedro Nuno Santos deixou, mais uma vez, Alexandra Leitão fazer de polícia má e fez o papel de polícia bom. O líder do PS reduziu a declaração a um “momento menos bom” da câmara de Loures e colocou ênfase na clarificação. Ora, as declarações do Pedro Nuno na qualidade de advogado de Defesa de Leão têm dois problemas: o momento do autarca socialista não foi um ato isolado e, na clarificação, o autarca pouco ou nada recuou. Disse apenas que não ia violar a Constituição e que só aplicaria a sanção em casos que transitam em julgado (não deixando cair a pena acessória que defendeu).
As três ideias de Ricardo Leão são, aliás, más e ineficazes. Retirar habitações por atos de vandalismo é mau porque, no limite, pode colocar uma família inteira na rua por culpa do arrendatário e é ineficaz porque a maioria dos criminosos não comete crimes no seu bairro (nem sequer no seu concelho). Retirar refeições a crianças é mau porque é desumano e ineficaz porque não é isso que fará pais negligentes pagar o que devem à autarquia. Por fim, colocar a Polícia Municipal a fazer detenções é mau porque não tem uma sustentação jurídica sólida e ineficaz porque a insuficiência de agentes PSP se deve combater com mais agentes da PSP.
Por ideologia e não por uma incompatibilidade zoológica, Ricardo parece cada vez menos um Leão do Rato para ser um Leão da Lapa, zona onde está a sede do Chega. Já agora o seu posicionamento sobre a PPP de Loures, em junho de 2023, também seria, à partida mais apreciado na Lapa do que no Rato.
A bravura de Leão levou-o a convocar uma reunião da federação do PS para discutir as suas posições, mas acabou por desmarcá-la por ter “inúmeros telefonemas de apoio e solidariedade da parte da federação”. A partir deste momento, o autarca não só fugiu à crítica, como vinculou a estrutura distrital do PS às suas posições. Além de que fugiu do debate de ideias com a sua federação. E aí foi menos Leão e mais rato, com minúsculas.
Ainda assim, é bem capaz de ter garantido a reeleição, bem como a recandidatura com o apoio do PS. Ao contrário do que chegou a alegar sobre o Orçamento do Estado, Pedro Nuno Santos está mais interessado em manter a autarquia do que com as convicções.