Não deixa de ser entediante a convicção progressista de que mudar é o caminho. E não deixa de ser entediante a convicção conservadora de que manter é o caminho. O Natal é uma festa abençoadamente anti-progressista e anti-conservadora—sabe que o caminho se faz de mudar e manter ao mesmo tempo.
Tendemos a querer que as coisas boas se mantenham boas e, se possível, queremos também que as coisas boas possam trazer alguma mudança. Queremos sol na eira e chuva no nabal, enfim. Mas essa leve incoerência também é o que torna a nossa existência capaz de celebrar a qualidade no que se mantém e no que muda.
O Natal também se celebra com esta mistura de manutenção e mudança. Manutenção porque repetimos tradições ano após ano, com graus variáveis de apego aos detalhes. Mudança porque até nas tradições algumas inovações se recomendam para temperar sabores já conhecidos.
Não deixa de ser revelador que um dos textos bíblicos lidos nesta época do Advento consagre este mesmo valor duplo de manutenção e mudança. Quando, por exemplo, lemos no evangelho de Lucas a entrada em cena de João Baptista, topamos aí o tal binómio (Lucas 3:2-6). Passo a citar o texto bíblico.
“Veio no deserto a palavra de Deus a João (…). E percorreu toda a terra ao redor do Jordão, pregando o batismo de arrependimento, para o perdão dos pecados, segundo o que está escrito no livro das palavras do profeta Isaías, que diz: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai as suas veredas. Todo vale se encherá, e se abaixará todo monte e outeiro; e o que é tortuoso se endireitará, e os caminhos escabrosos se aplanarão; e toda carne verá a salvação de Deus.”
João Baptista mantinha actual o que velhos profetas como Isaías tinham dito. Mas, ao manter válida a revelação, renovava-se alguma coisa nos seus ouvintes: deve responder-se com mudança ao facto de Deus não mudar. Este paradoxo é o que está em causa na tal mensagem de arrependimento para perdão dos pecados.
Quando não mudo, mostro-me indiferente à qualidade do que é eterno. Precisamente por sermos pessoas que acabam, temos uma relação complicado com o que não acaba. Nesta estranha simbiose, a mudança é a melhor celebração do que se mantém. O arrependimento não nos torna imprevisíveis mas atentos ao que é maior do que nós.
Para que o Natal surta o seu efeito mais desejável, pelo menos na perspectiva de fé que lhe está originalmente ligada, não deve envergonhar-se de uma espécie de lema em que a tradição transforma. Aquilo que vai manter a melhor vida que possa ter é abraçar a mudança que Deus me anuncia. Celebrar Jesus passa por isto.