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O paradoxo da ambição em Portugal – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Dez 9, 2024

Na língua portuguesa, a palavra ambição é vista historicamente como um termo paradoxal cuja génese poderá explicar mais do que pensamos sobre o caminho do nosso país e da nossa economia até aos dias de hoje. A conotação negava com que muitos insistem em identificar esta palavra, bem como as expressões que dela derivam, faz com que tenhamos reservas quanto a sermos adjetivados de “ambiciosos” e, por essa razão, limitemos, ainda que inconscientemente, a visão sobre o futuro, os nossos objetivos ou sonhos. No fundo, este fator histórico, e etimológico, leva-nos a pensar pequeno.

Mas, na verdade, a ambição, desde que assente num comportamento ético e justo, é necessária, aconselhável e um possível fator impulsionador da nossa economia e do crescimento do país nos próximos dez anos. Esta é uma premissa que indiscutivelmente se aplica ao setor em que a KPMG opera — a consultoria, fiscalidade e auditoria — mas que é acima de tudo transversal e basilar para todo o tecido económico nacional.

A questão fulcral que se coloca vai, no entanto, além deste simples paradoxo e consiste em como poderemos levar as nossas organizações, o Estado e a sociedade a ambicionar mais na próxima década?

Proponho que olhemos para três fatores que considero fundamentais para o futuro do nosso país: internacionalização, inovação e talento.

Comecemos pela internacionalização, devido ao seu papel no crescimento das empresas nacionais. O mercado português, pela nossa dimensão geográfica, limita o desenvolvimento das organizações, com muitas a atingir rapidamente o seu limiar máximo de potencial crescimento. Esta tendência irá intensificar-se nos próximos dez anos, pela saturação de certos serviços e áreas do mercado. A solução passa, por isso, por acelerar os ganhos de escala através de estratégias de internacionalização e exportação. Na KPMG Portugal, por exemplo, neste ano, trabalhámos em 21 geografias e aquilo que sentimos é que existe um reconhecimento muito grande pelo trabalho que as organizações portuguesas desenvolvem no estrangeiro e pela qualidade do talento nacional.

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Estranha-se, por isso, que Portugal, apesar dos bons indicadores de 2023, continue em 16º lugar (num total de 27) no ranking europeu de países exportadores, atrás, por exemplo, da Hungria e da Roménia.

Podemos e devemos ambicionar chegar ao pelotão da frente deste ranking nos próximos dez anos? Sem dúvida.

No entanto, isso apenas será possível com um incremento na competitividade do nosso país. Afinal de contas perdemos onze posições no World Compeveness Ranking desde o ano 2000, e com uma aposta clara e concertada da parte das empresas na inovação dos seus serviços e processos.

Este é uma vez mais um aspeto relevante nas áreas em que a KPMG Portugal trabalha e sabemos que ao longo da próxima década assistiremos a uma aceleração tecnológica sem precedentes que teremos que acompanhar e se possível antecipar. A Inteligência Artificial (IA) já está a mudar a forma como as empresas se relacionam com os seus Clientes e apresentam os seus serviços, mas terá muitas mais implicações nos próximos anos.

Neste momento, na nossa organização já integramos Inteligência Artificial em muitos dos nossos processos internos e no desenvolvimento de projetos com Clientes, não só na área da Consultoria, com o invesmento num Tech HUB em Portugal que serve toda a região EMA, mas também em Auditoria, onde, por exemplo, através do KPMG Clara, uma plataforma de auditoria inteligente, incorporamos análise de dados nos processos de auditoria, capacitando os nossos mais de 400 auditores para se concentrarem nas áreas de maior risco da auditoria.

Ainda a este nível, também a nossa área de fiscalidade hoje já incorpora nos seus processos a utilização de data analytics que em conjunto com a utilização de vários robots transformaram de forma extraordinária o nível de serviço prestado aos nossos clientes.

Portugal está bem posicionado a nível europeu em termos de inovação e temos vindo a ganhar posições no Painel Europeu de Inovação. No entanto, para que a nossa economia possa crescer, impulsionada por este “espírito” inovador, é necessário investimento. De acordo com indicadores da plataforma “Comparar para Crescer”, desenvolvida pela Associação Business Roundtable Portugal com o apoio da KPMG, Portugal investiu, em 2022, 1,1% do seu PIB na área de Investigação e Desenvolvimento (I&D), abaixo da média europeia de 1,5%.

Podemos e devemos ambicionar atingir, e até ultrapassar, esta média europeia de investimento em I&D na próxima década? Absolutamente.

É preciso desenvolver uma Estratégia Nacional de Inovação para os próximos anos que, além de integrar esta parte de investimento, tenha em conta aquele que é o fator central para o crescimento de qualquer economia e país: as suas pessoas.

Portugal tem uma rede de instituições de ensino superior de excelência, formamos jovens com uma qualidade incrível, no entanto todos os anos “perdemos” cerca de 20 mil licenciados, que saem do país na procura de melhores condições de trabalho. Este é, sem dúvida, um dos grandes desafios do nosso país para os próximos dez anos.

Hoje, quando analisamos a tributação das nossas empresas em comparação com grande parte dos países da União Europeia, percebemos rapidamente que é muito difícil sermos competitivos internacionalmente, ainda para mais quando falamos numa população jovem que pode trabalhar remotamente onde quiser. É fundamental que haja uma revisão tributária que permita às empresas portuguesas poder concorrer com as propostas apresentadas por organizações sediadas noutros países, com uma carga fiscal menos acentuada.

Mas essa não será a única solução. As empresas têm aqui um papel pro-ativo também muito importante para ajudar a reter talento no nosso país e, nesse sendo, acredito que a descentralização é um fator fundamental para o conseguir, uma vez que sabemos hoje que uma parte significava dos jovens que saem do país, fazem-no por falta de oportunidades na sua região de origem. Na KPMG Portugal inaugurámos no ano passado o nosso Tech HUB em Évora e, em conjunto com o PACT e com a Universidade de Évora, temos procurado contribuir para a valorização do talento que todos os anos é formado naquela região. Em qualquer outrompaís, cidades como Évora, a pouco mais de 100 quilómetros do litoral, nunca seriam consideradas interior, pelo que devemos olhar para estas regiões como áreas com um desenvolvimento potencial grande, muito talento e uma boa qualidade de vida.

Podemos e devemos ambicionar reduzir significavamente a saída de jovens do nosso país até 2034? Claro que sim. Para isso, é importante que os próximos dez anos possam ser marcados por uma cada vez maior abertura das empresas à sociedade, por mais sinergias com a Academia, e pela sua expansão além das grandes cidades.

Não tenhamos dúvidas que para podermos crescer enquanto país na próxima década será necessário ter coragem de fugir ao conformismo, fazer diferente, fazer mais, acabar com este paradoxo da ambição que nos tem acompanhado ao longo de décadas.

O fim do país do “mais ou menos” depende de todos nós: empresas, Estado e sociedade.

Vítor Ribeirinho tem um bacharelato em Contabilidade e Administração e é Revisor Oficial de Contas. Tem mais de trinta anos de experiência em auditoria e desempenhou várias funções na KPMG até assumir a vice-presidente da empresa em 2016. É CEO desde 2021 e membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.





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