O uso da expressão em língua inglesa não é acidental. Como acontece com parte significativa do vocabulário que usamos hoje no espaço público e político, também esta expressão tem de ser considerada a partir do contexto anglo-americano. Com uma ressalva: ao contrário do que acontece com a maioria dos outros termos, ela foi cunhada no espaço britânico, e não no norte-americano. Estávamos em abril de 2015 e o jornalista James Bartholomew notava uma invasão da esfera pública por afirmações que procuravam sinalizar a virtude própria, sem que a elas correspondesse qualquer comportamento virtuoso relevante.
Regressaria, mais tarde, ao tema com a seguinte explicação:
“Durante a pesquisa para o meu último livro, The Welfare State We’re In, apercebi-me de que os vitorianos e os eduardianos davam muito mais dinheiro à caridade do que as pessoas dão atualmente. Era normal, mesmo para as classes trabalhadoras e artesãs, doar até 10% do seu rendimento. Isto em comparação com os donativos atuais de menos de 1% da população. (…) Também consideravam normal tomar conta dos pais idosos e de outros familiares. Comparei-os com pessoas que conheci que se consideravam virtuosas pelo simples facto de votarem Labor de cinco em cinco anos e manifestarem ódio pela direita. Isso não é virtude. É preguiça, presunção e parvoíce.”
O tom pejorativo usado por Bartholomew visava contrapor a sinalização da virtude ao sentido com que, filosoficamente, a virtude sempre foi entendida: “Um dos aspetos cruciais da sinalização da virtude é o facto de não exigir que se faça algo de virtuoso. (…) É apenas uma forma de exibição.”
De facto, para os antigos, a ideia de sinalizar a virtude era inerentemente preserva. Aristóteles considerava a virtude um hábito, uma disposição para agir corretamente: não dependia das nossas palavras, mas dos nossos atos. E, no Evangelho segundo São Lucas, a parábola que opõe o fariseu ao coletor de impostos avisa-nos contra aquele que se exalta em vez de considerar os seus erros.
Em sentido contrário, o “virtue signaling” procura enaltecer as nossas virtudes, apontando, por efeito, as falhas dos outros, sem que haja qualquer ação, hábito, prática quotidiana ou sacrifício que não o de teclar uma trivialidade política considerada virtuosa. (Ainda nos lembramos de quando a soberba era considerada um pecado capital?)
Notemos como o Cambridge Dictionary define “virtue signaling”:
“Tentativa de mostrar às outras pessoas que se é boa pessoa, por exemplo, expressando opiniões que sejam aceitáveis para elas, especialmente nas redes sociais.”
Será este comportamento a vitória de Maquiavel, quando, ao inaugurar a modernidade política, afirmou a prevalência do parecer sobre o ser? Ou a confirmação das ideias de Rousseau de que a corrupção humana começa com a necessidade de sermos vistos de uma certa forma pelos outros? Ou pode ser justificado pela teoria do reconhecimento de Hegel, que inspirou tanto Charles Taylor como Francis Fukuyama?
Fukuyama é, aliás, uma leitura útil no estudo do tema das identidades: partindo da divisão da alma desenhada por Platão na República, Fukuyama identifica o thymos, enquanto desejo de reconhecimento, como a força a partir da qual as sociedades se organizam. Nas sociedades aristocráticas, o thymos estava essencialmente presente na classe dos guerreiros, que, dispostos a morrer pela cidade, queriam ser reconhecidos como superiores pelos restantes (megalotimia); já nas sociedades democráticas, o thymos passa a ser representado pelo desejo geral de reconhecimento como igual (isotimia).
Eis o sonho da igualdade democrática. Mas quem é que, na verdade, não quer ser reconhecido como superior? Em particular, como moralmente superior? E, sobretudo, num mundo de redes sociais?
As redes sociais inauguraram, de facto, um período político novo – essencialmente porque, longe de serem ferramentas neutras, são desenhadas para despertar no nosso cérebro reações específicas (a tecnologia digital sabe muito bem que a biologia existe). E foi assim que a virtude passou para a vida digital: como estamos programados para nos sentirmos bem quando ajudamos os outros e somos quimicamente recompensados quando somos altruístas (querida oxitocina), os engenheiros do vale do silício arranjaram “likes” e “retweets” para nos viciar naquele prazer (olá, dopamina).
Queremos aparecer como virtuosos e boas pessoas – o que, nos nossos tempos, é o mesmo que dizer progressistas – e fazemo-lo sinalizando a nossa virtude com publicações inconsequentes. Afinal, podemos retirar os benefícios de parecermos virtuosos sem termos realmente de fazer algo virtuoso.
O resultado gerado é paradoxal: quanto mais “virtue signaling”, mais provável é que encontremos ativistas que não olham a meios para atingir os fins, intelectuais que gostam mais da humanidade do que dos humanos, democratas que valorizam a democracia mas não as escolhas que a maioria democraticamente faz, professores universitários que “sinalizam muito” mas criticam publicamente os alunos que participam na praxe ou deixam pouco espaço para a discussão de ideias de que discordam.
Mais do que isso: como Jonathan Haidt chama a atenção em The anxious generation, as redes sociais degradam o espaço público por promoverem o lado mais emotivo e irreflexivo da nossa natureza. É por isso que vemos intelectuais (e, pelos deuses, professores universitários) a comportarem-se on-line como nunca aceitariam que os intervenientes num debate (ou numa aula) se comportassem. A virtude sinalizada demora, assim, poucos minutos a cair por terra: basta que a megalotimia seja atacada por quem pensa de forma diferente, para termos o agente virtuoso a responder com modos muito pouco virtuosos.
O problema da sinalização da virtude não se limita, assim, à mera exibição pessoal (o que já seria suficiente para nos envergonhar): ela alimenta a polarização social.
Afinal, quando alguém sinaliza a sua virtude, transmite a mensagem de que aqueles que pensam de modo diferente são moralmente inferiores, que a sua opinião é ilegítima, que as suas posições são inválidas. Mas, como as sociedades democráticas foram promovidas a partir de valores de isotimia – que estabelece um princípio de igualdade, até na expressão “uma pessoa, um voto” –, quem se sente rebaixado a partir daquela sinalização, tenderá a responder rispidamente. O resultado só pode ser o crescimento da polarização política e o agravamento das condições de diálogo que são, na verdade, a condição democrática por excelência.
Aos poucos, o problema tem sido reconhecido, mas implica necessariamente dois níveis de solução. Individualmente, o esforço passará por refrear a necessidade constante de sinalizar a virtude: será possível?
Institucionalmente, alguns passos já têm sido dados. Depois de péssimas experiências de marketing, muitas empresas já abdicaram de sinalizar a sua virtude. E até as universidades parecem estar a mudar: o Institutional Voice Working Group, criado recentemente pela Universidade de Harvard em resultado da polémica em torno do conflito israelo-palestiniano, emitiu um relatório com indicação dos princípios que devem orientar os comunicados oficiais da universidade e que estabelecem uma regra surpreendentemente simples: a universidade não deve tomar posição sobre assuntos que não correspondem ao seu escopo, nomeadamente sobre questões políticas e morais.
Importa destacar os termos com que o relatório dá forma a esses princípios:
“Sejamos claros: a universidade não é uma instituição neutra. Ela valoriza a investigação aberta, o conhecimento e a diversidade de pontos de vista, pois estes são os meios através dos quais procura a verdade. A regra de falar oficialmente apenas sobre assuntos diretamente relacionados com a função principal da universidade, e não para além dela, serve esses valores. Deve permitir que a universidade perdure e floresça, proporcionando o seu bem público único, mesmo – e especialmente – em tempos de intensa controvérsia pública.”
Depois de tudo o que aconteceu, parecemos ter regressado a princípios básicos de inteligência e sensatez: o objetivo da Universidade é procurar a verdade e o conhecimento e não assumir posições políticas. Talvez haja esperança.