“A realidade está a ultrapassar a imaginação. Hoje vamos presenciar na Europa preços de eletricidade, no mercado grossista, ainda mais extremos do que os que ocorreram na crise de 2022.”
A nota colocada por António Vidigal, especialistas e consultor de energia, na rede social linkedin vem acompanhada do mapa que mostra os preços da eletricidade a atingir em alguns países europeus valores que não eram vistos desde a crise do gás natural de 2022.
A Alemanha atingiu na hora de pico uma cotação de 936 euros por MW hora, enquanto na Escandinávia, conhecida pelos preços competitivos da sua energia, a cotação mais alta variou entre 900 euros por MW hora na Noruega e os 700 euros por MW hora na Suécia. O preço médio na Alemanha para esta quinta-feira situou-se em quase 400 euros por MW hora.
A Península Ibérica escapa a estes extremos com uma cotação mais modesta de 173 euros por MW hora no pico e um preço médio diário um pouco abaixo dos 150 euros por MW hora. Mas são valores igualmente comparáveis aos registados durante a crise energética e que são alimentados pela subida do preço do gás natural e pela necessidade de recorrer mais a esta fonte de produção elétrica.
Também por causa da menor produção eólica, associada às temperaturas baixas, o operador da rede portuguesa mandou ligar duas centrais a gás natural que estavam de backup para acautelar uma menor folga na produção do lado espanhol. A informação foi avançada esta quinta-feira pelo presidente da REN (Redes Energéticas Nacionais) durante a intervenção na conferência da Associação Portuguesa de Energia (APE). Rodrigo Costa explicou que Espanha teve de reduzir consumos industriais. “Temos tido imensa ajuda de Espanha — da qual Portugal importa uma parte da eletricidade que consome — e estamos a ajudar. Se falhar o lado de lá, falhamos todos.”
Em declarações aos jornalistas, Rodrigo Costa explicou que a situação ibérica não é causada pelo que se passa na Alemanha, mas que se deve a limitações do próprio mercado ibérico e afirmou que o recurso a centrais a gás natural para acautelar o consumo é uma prática comum na gestão do sistema.
O disparo pontual dos preços nos mercados grossistas na Europa central acontece pela segunda vez este inverno devido a um fenómeno que tem um nome alemão, Dunkelflaute, o que numa tradução literal para português quer dizer “calmaria escura”. Esta expressão combina dois fenómenos climatéricos num mesmo dia, a ausência de sol (que não será raro no interno) e a inexistência de vento, ainda para mais associados às temperaturas muito baixas. Esta quarta-feira (quando são definidos os preços no mercado spot para quinta-feira), o vento foi o que mais faltou. Dados citados pelo El Pais mostram que a a eólica alemã abasteceu pouco mais de 10% da quantidade que costuma fornecer.
A dependência da Alemanha destas duas fontes de energia renovável resulta de decisões políticas de encerrar as centrais nucleares e antecipar o fim do carvão — num contexto em que o mercado europeu ainda não ultrapassou a crise do gás russo. Sem grandes alternativas de centrais térmicas que compensem o “apagão” solar e eólico, o país aproveita a sua posição geográfica central para importar energia dos vizinhos. Como a Alemanha é um grande país e, por isso, com elevado consumo, as suas compras de eletricidade contaminam os preços nos países vendedores que sobem também para responder à procura alemã.
Além das importações, quando não há vento, é preciso ligar as centrais a gás natural e recorrer a um combustível que, no mercado grossista que é marginal (quem fixa o preço é a última — e mais cara — tecnologia a entrar), faz subir ainda mais os preços. Apesar da redução da dependência russa, a Europa tem níveis de stock de gás mais baixos do que no ano passado e o inverno está a ser mais rigoroso do que o previsto.
Periférica e com capacidade limitada de interligações com a Europa (via França), a Península Ibérica — que os dirigentes políticos descreveram como a “ilha energética” — está mais protegida do contágio destes fenómenos extremos de preços. Os sistemas elétricos de Portugal e Espanha têm grandes capacidades de produção renovável, sobretudo no inverno devido à geração hídrica, e contam com potência contingente nas centrais a gás natural que permite compensar eventuais falhas do lado do vento, sol ou chuva.
Apesar dos preços relativamente altos que se registam no Mibel, Portugal tem uma proteção extra face a cotações elevadas no mercado grossista — porque uma parte da energia comprada pelo sistema nacional está abrangida por contratos de longa duração que têm um preço garantido inferior. Este mecanismo tem atuado como um seguro para os preços nacionais em contextos de escalada nos mercados elétricos e contribuiu para que o mercado nacional tenha registado subidas menos acentuadas nas tarifas pagas por famílias e empresas.