A personalidade é um conjunto de características que cada pessoa tem e que corresponde a padrões de comportamentos, de emoções e de conhecimentos do mundo que a rodeia (cognitivos). Por outras palavras, é a forma habitual de pensar, sentir e agir de cada um. Alguns exemplos de características de personalidade que facilmente reconhecemos nos outros ou em nós são, por exemplo, ser extrovertido, organizado, pessimista, criativo ou desconfiado.
Uma perturbação da personalidade é uma maneira de pensar, sentir e agir que representa um desvio extremo em relação aos padrões sociais e culturais.
Por isso a pessoa tem dificuldade em relacionar-se com os outros e em adaptar-se a situações do dia-a-dia, tornando-se pouco funcional. Isso traz quase sempre sofrimento — tanto ao próprio, como aos que estão à sua volta.
As perturbações de personalidade não são raras: podem afetar até 15% da população.
O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM 5) define dez tipos de perturbações de personalidade, divididas em três grandes grupos, que a psiquiatra Raquel Serrano ajuda a descrever de forma simples e breve:
Grupo A
(pessoas com traços de excentricidade)
- 1. Personalidade Paranóide. Padrão de desconfiança persistente e suspeição em relação às intenções dos outros.
- 2. Personalidade Esquizóide. Pessoas com desprendimento das relações sociais e desinteresse nas mesmas, preferindo a solidão. Têm também algumas restrições da expressão emocional.
- 3. Personalidade Esquizotípica. Pessoas com dificuldade em estabelecer relações próximas, com comportamentos excêntricos ou bizarros.
Grupo B
(pessoas muito dramáticas, emotivas ou erráticas)
- 4. Personalidade Antissocial. Não respeitam os direitos dos outros nem as normas sociais e têm falta de empatia e de remorso pelos atos que prejudicam terceiros.
- 5. Personalidade Borderline. Emocionalmente instáveis nas relações com os outros e muito impulsivos.
- 6. Personalidade Histriónica. Com um padrão de emotividade excessiva e busca constante de atenção, comportamentos teatrais e emocionalmente superficiais.
- 7. Personalidade Narcísica. Pessoas com uma necessidade constante de admiração excessiva e grande falta de empatia.
Grupo C
(pessoas ansiosas e instáveis emocionalmente)
8. Personalidade Evitante. Indivíduos que têm padrões de evitamento, ou sejs, não querem estar com outras pessoas. São inseguros e hipersensíveis à crítica.
9. Personalidade Dependente. Pessoas submissas e muito dependentes, com necessidade excessiva de atenção e de serem cuidadas.
10. Personalidade Obsessivo-Compulsiva. Com um ppadrão de preocupação excessiva com a ordem e o controlo, perfeccionismo rígido e inflexibilidade.
Não. Quase toda a gente tem algum destes traços de personalidade, sem que isso signifique que tem uma perturbação.
Ou seja, é possível ser-se muito emotivo sem que isso signifique que se tem uma personalidade histriónica. Ou ter pouco interesse em socializar e dificuldade em exprimir emoções sem ter uma personalidade esquizóide. Ou ser extremamente perfeccionista e não ter personalidade obsessivo-compulsiva.
Ter uma perturbação da personalidade significa que essas características são de tal forma marcadas e constantes, que dominam a vida da pessoa, prejudicando a relação com os outros e diminuindo a funcionalidade.
Os principais fatores que influenciam a personalidade são características herdadas (o temperamento), as experiências de vida, (sobretudo na infância e adolescência) e o contexto social e cultural.
Como em quase todas as doenças mentais, as perturbações da personalidade surgem da interação entre genética e ambiente. “Uma pessoa pode ter uma predisposição genética para uma perturbação de personalidade e essa tendência ser atenuada ou exacerbada por fatores ambientais”, diz a psiquiatra Raquel Serrano.
Alguns fatores ambientais que podem acentuar essa tendência são eventos de vida adversos ou experiências traumáticas, sobretudo na infância. “O abuso verbal, físico e sexual, assim como a parentalidade disfuncional, podem levar a determinados tipos de perturbações de personalidade, como é o caso das perturbações de personalidade borderline e antissocial”, esclarece a médica.
Não é possível falar em cura, como acontece em algumas outras doenças mentais, nomeadamente nas perturbações do humor, como a depressão, porque a personalidade tem tendência a manter-se estável ao longo da vida.
“Alguns tipos, como a perturbação de personalidade borderline, podem melhorar e tornar-se menos evidentes com o passar dos anos. Mas esse não parece ser o caso das perturbações de personalidade obsessivo-compulsiva ou esquizotípica, que tendem a manter-se mais constantes ao longo da vida.”
Apesar disso, há formas de tratamento para “ajudar a reduzir a angústia, a intensidade dos sintomas e os comportamentos desajustados”.
“As perturbações de personalidade podem beneficiar de intervenções psicossociais e psicoterapêuticas, individuais ou de grupo, como a terapia cognitivo-comportamental, a terapia dialética-comportamental [ou] a psicoterapia focada na transferência”, diz a psiquiatra.
Não existem medicamentos usados especificamente para tratar perturbações de personalidade, mas, em alguns casos, medicamentos como antidepressivos, ansiolíticos ou estabilizadores do humor podem ser úteis no tratamento de alguns sintomas e noutras perturbações mentais associadas, como a depressão, a doença bipolar e as perturbações de ansiedade.
Além disso, é importante que os membros da família possam beneficiar também de apoio, “para obterem orientações e recomendações para lidar com as dificuldades”.