Regressou mais cedo da República Dominicana, foi detido logo à chegada com imagens da entrada num dos carros da polícia ainda na pista (quando na zona de chegadas as autoridades chegaram a confundi-lo com um outro passageiro que acabou abordado pelas parecenças físicas), saiu em liberdade algumas horas depois na sequência da audição com o juiz. O regresso de Luis Rubiales voltou a agitar toda a Espanha, que ficou na expetativa de perceber o que se poderia passar com o antigo presidente da Real Federação Espanhola de Futebol. No entanto, a notícia não foi a detenção mas sim os pormenores que se vão conhecendo da investigação ao antigo responsável – e uma entrevista onde voltou a apontar a vários alvos distintos.
Como conta o El País, Rubiales terá começado a criar 11 meses antes da sua demissão (mas já depois daquele polémico beijo a Jenni Hermoso na final do Campeonato do Mundo feminino) um enquadramento societário para fazer a alegada “canalização de parte dos recursos” que recebera de forma ilegal por parte de uma construtora espanhola (Gruconsa) na sequência da adjudicação de contratos da RFEF para reabilitação de alguns estádios e demais infraestruturas desportivas. O dinheiro circulava depois, de acordo com o que foi apurado pela investigação, para investimento em diferentes negócios ligados ao turismo: aquisição de dois edifícios em Granada para serem remodelados, compra de participação numa empresa que fazia a exploração de três hotéis em Espanha e outros interesses na mesma área que foi criando na República Dominicana.
Tudo terá sido feito com o conhecimento de outros elementos que trabalhavam com a RFEF de forma direta ou indireta, e que estão também naquela que foi apelidada de Operação Brody. Aí entram outras alegadas irregularidades cometidas com Rubiales na liderança da RFEF, a mais mediática das quais a propósito dos contratos para a realização da Supertaça de Espanha na Arábia Saudita mas com outros ramos como um protocolo feito pela RFEF com a China para o desenvolvimento do futebol local e as obras feitas no Estádio de la Cartuja, em Sevilha. É nesta parte que a Guarda Civil está a prestar especial atenção pelos alegados subornos pagos pela construtora. A RFEF recebeu da Gruconsa mais de 3,8 milhões de euros.
O El País faz também a reconstrução do intrincado esquema que envolve não só Luis Rubiales mas também Nené, um antigo jogador do Granada e agora empresário. Em outubro de 2022, uma das empresas chave no processo, a Dismatec (que está registada em nome de Purificación Rufino, mulher de Nené) comprava à Inmomarluq a GRX Esport Pro. 11 dias depois, a GX Esport Pro fazia um aumento de capital onde entravam como sócios Rubiales, o advogado Tomás González Cueto e o assessor da RFEF Pedro González Segura (que tem um irmão na direção da Gruconsa), juntando-se mais tarde o diretor de marketing da RFEF, Rubén Rivera, José María Timón, do gabinete de Rubiales da RFEF, e Antonio Gómez-Reino, diretor das Relações Institucionais da RFEF. Entre um e outro movimento, foram adquiridos dois edifícios, num total de 1,450 milhões de euros, com um total de 19 apartamentos no centro de Granada para “aluguer turístico”.
Já em setembro de 2023, perante tudo o que aconteceu na sequência do beijo não consentido a Jenni na final do Mundial, Rubiales e Nené, através da Dismatec, compraram todas as participações da GRX Esport Pro e ficaram com 50% de ações cada. Questão? Não há registo de qualquer pagamento por essas alienações. No mês seguinte, o esquema repetiu-se: Rubiales criou uma nova empresa, a Conecta 17 Consulting, com Nené, a mulher de Nené e mais duas pessoas, ficando com praticamente a totalidade de todas as ações no mês seguinte a troco de 2.999 euros. Mais tarde, a mulher de Nené comprou via Conecta 17 Consulting 25.000 euros em ações da Explotaciones Hoteleras Nazaríes, que tem dois hotéis em Granada e um em Málaga. A partir de 2024, essa empresa fazia chegar todos os meses mais de 4.000 euros à Conecta 17 Consulting, sendo que, nessa fase, Rubiales e Nené iam fazendo contactos exploratórios na área do turismo em Punta Cana, tendo ainda participação num projeto com 60 apartamentos de luxo com responsáveis da Gruconsa. Ainda de acordo com a investigação, a Arábia Saudita era o próximo “alvo” de Rubiales com a Gruconsa.
Já o El Mundo foca atenções esta quinta-feira naquilo que foi encontrado durante as buscas feitas no início da investigação, nomeadamente os 318.350 euros encontrados em dinheiro em duas caixas forte e numa caixa de sapatos na sociedade Dismatec Sport, que tem como administradora única… a mulher de Nené. O jornal espanhol acrescenta ainda que foi o antigo jogador de Granada e amigo próximo de Rubiales que criou uma sociedade offshore na República Dominicana um par de dias depois da demissão de Luis Rubiales da presidência da RFEF. É aqui que a Unidade Central Operativa (UCO) suspeita que está o epicentro de todo o alegado branqueamento de capitais, entre outros crimes, sustentado também em escutas telefónicas.
O El Mundo coloca também o enfoque naquilo que descreve como o “macroprojeto” entre Luis Rubiales, Nené e a construtora Gruconsa: um estádio de futebol inserido numa cidade desportiva com um hotel na Arábia Saudita, num plano que envolveria também as autoridades locais e um conjunto de empresários. “É um projeto pelo qual Rubiales demonstrou um especial interesse”, defendem os investigadores com o caso, fazendo a associação ao facto de o então presidente da RFEF ter sido o primeiro a contactar com a ideia no meio das negociações para a celebração da Supertaça de Espanha na Arábia Saudita. “Se isto se fizer, vai haver dinheiro para toda a gente”, diz um dos empresários envolvidos numa outro escuta telefónica.
É na parte do processo da Arábia Saudita que entra também o nome de Gerard Piqué. O antigo jogador do Barcelona e empresário estará a ser investigado através da Kosmos, uma das suas sociedades, no negócio de intermediação do contrato entre a RFEF e o país para a passagem da Supertaça para o Médio Oriente. As autoridades estão a analisar as contas bancárias do ex-internacional espanhol para verificar a existência de algum pagamento indevido sob a forma de suborno que não tenha sido declarado. O que se sabe, e é algo público, é que a Kosmos recebeu quatro milhões por temporada pela intermediação do negócio.
Esta terça-feira, Luis Rubiales voltou a falar publicamente numa entrevista ao El Objetivo da La Sexta, que foi difundida já depois de ter sido libertado no seguimento do interrogatório judicial. À semelhança do que aconteceu em ocasiões anteriores, o antigo presidente da Real Federação Espanhola de Futebol voltou a falar de “linchamento público”, manifestou total disponibilidade para cooperar com as autoridades em relação ao processo em que está envolvido e visou mais uma vez a jogadora internacional Jenni Hermoso.
“Jamais fiz alguma fraude em contratos. Como podes dizer que sabes? A investigação não devia ser secreta? Não vou estar agora a questionar mas se tiverem alguma dúvida, perguntem que eu esclareço. Foram detidas muitas pessoas nas quais confio e se alguma tiver cometido algum erro, teremos de ver. Todas as vezes que me chamarem vou responder a tudo porque sou o máximo interessado nisso mesmo. A verdade é que tenho todas as minhas contas bloqueadas, as de Espanha há quatro ou cinco dias. Não posso sequer pagar uma Coca-Cola, tenho tudo bloqueado. A República Dominicana é um paraíso mas não fiscal. Todo o dinheiro que era meu e veio para cá passou por um processo muito estrito contra o branqueamento de capitais. Porque não pode estar aqui? Tenho o direito de procurar uma vida honrada”, referiu o ex-dirigente.
“Não me querem deixar ganhar a vida, nem no futebol, nem fora dele. Sofri um espancamento tão grande a nível mediático que tornou-se impossível trabalhar em Espanha. Há muita gente que ganhou muito mais do que eu no futebol e ninguém diz nada. Eu declarei sempre tudo na Agência Tributária, nunca aceitei qualquer tipo de suborno. É mentira que tenha recebido aqui, que tenha uma equipa de basebol aqui, que tenha terrenos para construir hotéis na Arábia Saudita. Tudo mentira. Caso com mulheres? Estou disposto a que me ponham um soro da verdade e me perguntem se estive com alguma prostituta, vou dizer que não. Ligação à Gruconsa? Não tenho nenhuma. O Nené conheço há quase 30 anos, a ele e à mulher, é um empresário conhecido com hotéis e construção. Nunca chegaram ao pé de mim ou dele a dizer ‘Toma isto desta obra’. Tentámos fazer negócios juntos mas tornou-se impossível”, argumentou.
“Caso Jenni Hermoso? Um agressor sexual não pergunta. Naquele contexto, não teve nada de sexual. Até naquela história que se viu ela reconhece o que aconteceu. A Jenni tinha a mesma opinião que eu, só depois é que decidiu mudar mas em nenhum caso houve uma agressão. Ela própria saiu de uma forma imediata a desmentir que houvesse algo. Depois, a senhora Hermoso mudou a sua versão. Não se pode questionar a Jennifer Hermoso mas a mim sim? Porque sou homem? O que querem fazer é restringir a liberdade de pensamento. Ninguém vai conseguir provar ou demonstrar que houve algum tipo de pressão. Dizer é uma coisa mas a justiça espanhola ainda atua perante provas”, comentou ainda Luis Rubiales na entrevista.
Em paralelo, e já depois de ter falado ao Relevo, o tio do antigo líder da RFEF, Juan Rubiales, que chegou a ser o seu chefe de gabinete na Federação, deu uma entrevista à Telecinco onde deixou críticas ao sobrinho com quem não tem agora ligação entre algumas acusações que contradizem o que tinha sido dito por Luis.
“O Luis Rubiales tem uma ambição tremenda. É um homem movido pelo desejo de dinheiro, do luxo… Despediu-me como no tempo de Franco, quando mandavam um motorista com um bilhete para avisar os ministros que estavam fora, mas a mim fê-lo com um email às 22h30. Foi em maio de 2022 que descobri que ele tinha dito que, se as coisas corressem mal, a sua intenção era denunciar-me. Disse-lhe que havia coisas de que não gostava e ele disse-me que era muito difícil ver milhões passarem pelas nossas mãos e não ficar com nada. Foi aí que comecei a ver o Rubiales que eu não conhecia como tio, um homem muito ambicioso, obcecado por dinheiro, luxo, sexo… Foi aí que começámos a separar-nos e que ele percebeu que eu não ia ser cúmplice”, comentou Juan Rubiales, tio do ex-dirigente, na entrevista à Telecinco.
“É como se estivéssemos a andar na estrada e víssemos um carro que vai fazendo esses, sabemos que, mais cedo ou mais tarde, vai bater. Podia demorar mais ou menos tempo mas ia atingi-lo. Era muito claro para mim. Festa em Salobreña? Foi paga com fundos da Federação. Nunca disse que eram prostitutas, mas eram raparigas de 18 e 19 anos. Disse-lhe que estava a perder a cabeça e que podiam ser filhas dele. Achei que era uma vergonha e não saí do meu quarto durante toda a noite. Ele escolhe o poder para conseguir dinheiro, sexo… Acho que precisa de ajuda psicológica e de um plano de reeducação social. É autoritário, machista e, por vezes, racista. O meu sobrinho é um mentiroso compulsivo”, apontou.