Muitas vezes não é preciso muito para revelar gratidão e mostrar um estado de espírito. Um cumprimento, um olhar, um abraço. Da parte do Sporting, foi uma palavra: “Obrigado”. Era isso que estava na enorme tarja que se ergueu na bancada em frente à central e aos brancos de suplentes, com a imagem de Rúben Amorim e os cinco títulos pelos leões que são muito pouco face tudo aquilo que conseguiu “ganhar” desde que assumiu o comando do clube. Pouco depois, e quase que a selar uma saída a bem que teve momentos de menor química entre todas as partes, Frederico Varandas, líder dos verde e brancos, entregou ao técnico um quadro com a mesma imagem da tarja. Uma troca de palavras, um sorriso que disse tudo, o início do jogo.
Um argumento escrito à medida dificilmente poderia ser melhor para contar uma história de 90 minutos que funcionaria como epílogo de uma casa que foi sua ao longo de mais de quatro anos e meio: um golo sofrido a abrir, uma oportunidade de golo flagrante, muitos passes errados a criar incerteza, um Franco Israel gigante na baliza, um empate na primeira vez em que a equipa conseguiu ser fiel ao que de melhor faz do meio-campo para a frente, uma palestra que funcionou como aditivo extra para acelerar, dois golos em menos de cinco minutos no arranque do segundo tempo, uma goleada confirmada nos minutos finais. Mais do que bater o tetracampeão inglês, mais do que somar mais três pontos na Liga dos Campeões, o Sporting teve uma das noites mais memoráveis da sua história a coincidir com a despedida de um dos principais obreiros.
Desta vez, e conforme “prometido” na partida com o Estrela da Amadora, Rúben Amorim juntou-se à equipa para saudar os adeptos. Houve uma volta olímpica, muitas vénias ao treinador que teve de dar o passo em frente para agradecer da mesma forma aos adeptos, aplausos de pé. Apesar de ser dia de semana, apesar de serem dez da noite com um provável tempo de espera maior por ser noite de casa cheia, no limite apesar de ser noite de eleições dos EUA que desperta sempre aquele interesse para acompanhar os resultados, poucos ou nenhuns deixaram Alvalade mais cedo para render uma última homenagem ao técnico leonino.
Chegava a parte final, a mais emotiva de todas. Amorim já tinha cumprimentado de forma individual todos os jogadores após o encontro (tal como Pep Guardiola) mas tinha à sua espera uma fila de jogadores como acontece nos treinos quando alguém regressa, chega de lesão ou ganha um prémio. Pedro Gonçalves, um dos jogadores com quem tem relação mais próxima, foi o primeiro a dar um abraço ao técnico. Gonçalo Álvaro, um dos membros da equipa técnica que fica, foi o seguinte. Até Nuno Santos, ainda a andar com dificuldades devido à operação ao joelho, marcou presença para o adeus. Amorim não chegou ao fim do corredor mas, quando ficou a meio, acabou a ser atirado ao ar com água pelo ar. Foi quase como ganhar um título.
“Olhando para o jogo, estava escrito. O adversário a falhar um penálti… Há dias em que as coisas têm de acontecer numa certa maneira. Entrámos muito bem na segunda parte, o público começou a empolgar-se. Não podia pedir outra despedida. Estou muito feliz por este momento”, começou por referir na zona de entrevistas rápidas da SportTV, com sorriso largo de quem se despede com sentimento de dever cumprido.
“O que levo? Levo tudo. Foi a melhor fase da minha vida. Tivemos dias muito difíceis. Começámos de um ponto muito baixo e hoje tivemos uma noite fantástica, com a estrelinha, que marcou também um pouco a passagem desta equipa técnica por cá. Não podia ter pedido uma noite melhor. Cartão de visita? É um bocadinho enganador… Somos de uma equipa de um campeonato fora das cinco melhores ligas. Vamos ter de bater-nos de frente contra este tipo de equipas lá. Mas é sempre melhor ganhar que perder e assim as pessoas ficam com mais vontade de ver o treinador lá”, acrescentou, recusando fazer piadas com a hipótese de vir buscar Viktor Gyökeres ao Sporting por “ter acabado de fazer as pazes” com os adeptos leoninos.
“Ganhámos por três golos de vantagem depois de termos estado a perder. Mas hoje estava visto assim. Na primeira parte foi difícil. Eles falharam golos, empurraram-nos… A reviravolta não teve nada a ver com as mudanças que tivemos ao intervalo. Acontecesse o que acontecesse no jogo, hoje seria assim. Toda a gente merecia esta noite. Agora há que não parar no tempo nem pensar que esta vitória foi um acaso. Mudámos taticamente na segunda parte, fechámos melhor o meio mas até ao 3-1 não houve alteração nenhuma porque foi em duas situações seguidas. O Manchester City ainda falhou um penálti. Tinha de acontecer assim. Estava escrito”, voltou a reforçar na conferência de imprensa no auditório Artur Agostinho.
“No final, agradeci pela vitória porque se fosse o resultado ao contrário o momento não seria tão bonito, seria mais difícil. Tivemos aqui momentos muito marcantes. Há quatro anos perdemos aqui com o LASK e hoje fazemos este resultado. Dos jogadores eu não esperava outra coisa porque sabem o que fiz por eles e o que eles fizeram por mim. Merecíamos todos ter um momento assim. Não foi o melhor momento em Alvalade, foi quando perdemos 5-0 com o Manchester City e toda a gente aplaudiu de pé. Isso foi um momento marcante e vai comigo para o resto da vida”, recordou o técnico ainda a propósito da pesada derrota com a equipa austríaca que ditou a eliminação no playoff da Liga Europa da época de 2020/21.
“Adeptos a mostrar gratidão? Fico muito feliz por essas palavras. Acho que vocês sempre me trataram com respeito e foram sempre justos comigo. Foi recíproco. Tiveram de criticar quando tinham de criticar. Muitas vezes a culpa não é vossa, são gostos. Mas creio que foi recíproco, não apenas do meu lado. O meu filho é do Sporting e continuará a ser. Quando viermos a Alvalade, não teve de dizer nada porque quem manda lá em casa sou eu, então não tive de dizer nada… Bem, é a mãe na verdade. Em relação aos adeptos, já disse que foi o melhor momento da minha vida. Quero agradecer-lhes por tudo”, voltou a destacar.
“Peso maior? É muito mais difícil substituir um treinador que está a ganhar. O treinador que vier terá uma herança boa. Acima de tudo, vai ter um clube estruturado, que ganhou nos últimos anos, e um público inteligente que vai perceber que vai ser preciso dar tempo ao próximo treinador para afinar algumas coisas. É uma das melhores fases do Sporting. Foi um momento difícil. Mas toda a gente puxou para todo o lado. Vamos dizer que eu pertenci a um dos melhores momentos do Sporting. O clube está estruturado, há um modelo e uma ideia. O plantel está valorizado. Quem entrar aqui será certamente um excelente treinador. Vai ter o apoio do presidente, da estrutura. O clube está preparado para dar o passo seguinte. O clube vai seguir sem qualquer problema o seu caminho. Foi um longo caminho aquele que construímos. Demorámos para fazermos e construirmos este caminho”, concluiu Rúben Amorim.