Mesmo que relegado para um palco secundário, o concerto inteiramente dedicado a este álbum icónico era ocasião especial e a banda trouxe convidados para uma comemoração mais alargada do seu legado. Samuel Úria, Ana Deus e Gisela João foram os músicos chamados a palco para interpretações distintas de temas dos Ornatos Violeta — num concerto com um Manel Cruz particularmente focado, mas com a garra do costume, ou não tivesse, como é seu apanágio, despido a camisola logo nos primeiros temas, mal aqueceu a voz e a alma.
O melhor concerto da noite chegaria logo a seguir. Macklemore é um corpo estranho, um rapper pop mas ao mesmo tempo desalinhado, inconformado, que quebra com os piores padrões do género. Descrevendo Lisboa como uma das suas cidades favoritas e apelando ao público para que aproveitasse o momento, deixando os telemóveis no bolso depois de duas ou três fotografias ou vídeos, mostrou ser um tremendo performer, tanto em momentos mais pop como Thrift Shop, single explosivo que lançou com Ryan Lewis; como em temas mais underground, próximos de uma estética mais crua e ligada ao rap da Costa Este dos anos 90, como Heroes, faixa que o juntou ao insuspeito DJ Premier.
A palete de cores de Macklemore é surpreendentemente diversa e, do alto dos seus 41 anos, o rapper tem a experiência e o calibre para dominar uma imensa multidão de cima do palco, acompanhado de uma banda e de alguns bailarinos que lhe conferiram musicalidade e teatralidade nas doses recomendáveis, com uma performance vários furos acima daquilo que se costuma ver em espetáculos hip hop desta dimensão.
“Não há nada melhor no mundo do que um festival de música”, atirou. “Pessoas diferentes a congregar em torno da música. Aqui não importa a forma como te pareces, a tua orientação sexual, a cor da tua pele, a forma do teu corpo… Aqui podes ser autêntico, a pessoa que és a 100%.”
Rompendo com os padrões de masculinidade tóxica ou de apatia social e política que muitas vezes abundam no meio hip hop — e que não se esperava serem quebrados num contexto tão pop como este —, Macklemore interpretou Same Love, um tema de sensibilização que homenageia a causa LGBTQIA+; e apresentou a sua muito badalada e recente Hind’s Hall, canção pró-Palestina que aponta o dedo ao que o músico descreve como “atrocidades cometidas por Israel”, defendendo o reconhecimento daquele território como país de plenos direitos, posição de militância firme nada comum na esfera pop norte-americana. “I want a ceasefire, fuck a response from Drake/What you willin’ to risk? What you willin’ to give?/What if you were in Gaza? What if those were your kids?/If the West was pretendin’ that you didn’t exist/You’d want the world to stand up and the students finally did, let’s get it”.
Pelo meio, ainda houve tempo para chamar duas raparigas do público para um pequeno “danceoff”, uma improvisada competição de dança em palco que enalteceu ainda mais a componente de Macklemore como entertainer. O espetáculo terminou, claro, com o hit Can’t Hold Us, com o rapper a descer junto do público para um momento final de catarse. “É isto que é suposto ser um festival de verão!”, exclamou em jeito de despedida, perante um público rendido à sua frente. É difícil avaliar quem será a fanbase de Macklemore por cá, mas certo é que é um daqueles artistas pop que não deixa indiferente quem o possa encontrar num festival.
A noite continuava, do outro lado da zona VIP, no Palco Galp, com os James. Velhos conhecidos do público português, a banda britânica veio aprofundar ainda mais a relação com um concerto que tinha como mote o novo álbum, Yummy, editado em abril, mas que naturalmente atravessou os grandes momentos da sua discografia, iniciada em 1986 com Stutter.
O palco parecia pequeno para todos aqueles que queriam assistir ao concerto, até porque o som estava frágil e abafado a partir da régie, mas os James, tal e qual os dinossauros experientes em que se tornaram, cumpriram com uma prestação segura e consistente que não surpreendeu, mas que também não tinha qualquer ambição nesse sentido. Para os fãs, entregaram exatamente aquilo a que se propunham. Temas como She’s a Star ou Laid foram bem acompanhados pela audiência, que procura nos James uma sensação de conforto que o rock dos anos 90 tão bem pode proporcionar, sobretudo para corações (e ouvidos) saudosistas.