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Odeio pobres porque a vida de milhões não pode ser uma estatística – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Dez 7, 2024

A Esquerda adora os pobres porque os usa como arma política e isso permite-lhes manter os privilégios da sua elite intelectual. Fazem manifestações, gritam indignações e desfilam ódios, mas não os vemos a fazer nada que faça os pobres sair da sua condição de pobre, apenas a ser um pobre mais dependente e amputado na sua liberdade; a Direita também adora os pobres porque lhes permite serem bons católicos e praticar a solidariedade. Com isso, não resolvem a pobreza, embora a aliviem, mas oferece-lhes a oportunidade de ganhar “um lugar no Céu”.

Eu odeio pobres, porque odeio o conceito de existirem pobres, odeio uma sociedade que se deita todos os dias com a consciência que existem pobres, mas que nada faz para que isso mude. E odeio ter de lidar com o facto de vivermos num Mundo em que não se trabalha para eliminar a pobreza, mas onde, cada vez mais, se equilibra a sociedade empobrecendo-a ainda mais.

O Mundo tem atualmente cerca de 8 mil milhões de seres humanos, dos quais cerca de 3.5 mil milhões são pobres. Quase metade dos seres humanos vivem em condições sub-humanas e o Mundo parece não se importar. Numa sociedade com avanços científicos imensuráveis e sem limite, parece que somos incapazes de criar uma solução para acabar com a maior e mais antiga epidemia da nossa História.

Hoje, felizmente, já não se morre de lepra, já não se morre de sarampo e a varíola já não destrói civilizações. No entanto, hoje ainda se morre de fome e ainda se morre de pobreza. E não, eu não me enganei na causa. No documento médico pode estar suicídio, pode estar depressão profunda que levou a abusos e doenças que terminaram em morte, mas aquele corpo sem vida foi destruído por um “vírus” ignorado pela sociedade. Porque a saúde mental não se vê, mas mata e a pobreza continua a matar todos os dias.

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O suicídio da dignidade

Ser pobre não é vergonha, não é uma culpa ou uma condenação. Ser pobre não é mais que uma infeliz condição social e financeira, não é definidor de caracter, não é definidor de valores e não pode ser definidor de quem sofre dessa condição.

Mas se a pobreza não define quem dela sofre, ela não deixa de retirar a dignidade humana a quem nela vive. Não digo com isto que os pobres não são dignos, (em muitos casos são muito mais do que outros que não sofrendo de pobreza financeira são paupérrimos em valores humanos) digo-o porque a pobreza provoca uma automutilação emocional e social em quem dela sofre.

A destruição emocional é das dores mais difíceis de curar e dos demónios mais difíceis de combater. Na minha vida profissional muitas vezes me questionam sobre como se consegue lidar com pressão. Tenho sempre a mesma resposta: pressão é ter a obrigação de colocar comida numa mesa com filhos e não saber de manhã como o fazer. Questionamos muitas vezes porque não conseguem as pessoas romper este ciclo de destruição.

Mas será que já pensámos como é trabalhar com fome? Como se pode produzir quando se tem dois empregos e se viaja para casa (vamos ter espírito natalício e atribuir-lhe a designação de casa) sem saber como encarar a fome ou as necessidades de um filho? Que elevador social pode ser usado por um jovem que começa o seu dia a tomar conta dos irmãos porque a sua mãe já há muito saiu de casa para que os nossos escritórios estejam impecavelmente limpos quando lá chegamos depois do nosso pequeno almoço de latte com leite especial e croissants orgânicos?

No último mês estive por duas vezes numa escola secundária de um bairro difícil no concelho da Amadora. As crianças que conheci tinham em si mesmo “todos os sonhos do Mundo”, tinham sorrisos de empatia genuína e tinham raciocínios e pensamentos estruturados e recheados de conhecimento. No entanto, baixavam os olhos quando falavam, tinham olhos vazios de esperança e abertos como se gritassem a quem estava ali que também queriam ver o Mundo. Depois das palestras e da conversa aberta, chocou-me um destes jovens que me abordou para me questionar quanto poderia ganhar alguém com a minha carreira. Não me perguntou se esta carreira dava felicidade, se fazia a diferença no Mundo, se permitia ter família ou se permitia sonhar. Perguntou por aquilo a que a nossa sociedade dá valor e que eles não têm. Deixámos de ver a alma e o coração das pessoas para passar a olhar para elas apenas pelo seu saldo e neste processo perdemos a nossa alma coletiva enquanto seres humanos.

Numa época de perceções, talvez nenhuma esteja tão errada e seja tão injusta e destruidora como esta. Mais do que se sentirem pobres, estas pessoas não se sentem dignas e o Mundo parece não se ofender com isso.

Um “Estado Pai” que deixa muitos órfãos

A Europa orgulha-se de viver em democracias sociais. Enquanto português e europeu, prezo com orgulho a liberdade (todas elas sem exceção), a democracia e a solidariedade de um sistema que se quer social. Parece-me, no entanto, que confundimos um Estado “assistencialista” com um Estado que podia combater e eliminar a necessidade de assistencialismos. Ao contrário de alguns, eu não me queixo dos subsídios e apoios que o nosso país oferece a quem deles precisa. Aliás, nalguns casos até acho pouco. O problema do nosso Estado não está nas jovens mães que apoia, nos idosos que ampara ou nos deficientes que cuida. O problema do nosso Estado está do desperdício absurdo com que trata o dinheiro dos impostos, na ineficiência das suas instituições e num conjunto inenarrável de institutos e fundações que mais não são que reformas douradas e associações de apoio ao emprego para políticos de carreira.

E permitam-me dizer algo importante: não existe carreira política, existe uma vida de serviço pela “causa pública” e esta devia ser sempre enquadrada numa carreira profissional e encarada como uma oferta de quem mais pode ao serviço da Nação e das Pessoas. Olhar para a política como uma carreira é viciar o jogo, porque se começa a “jogar” não tendo em conta os interesses das pessoas, mas tendo em conta as próximas eleições e o prolongar dessa mesma “carreira”.

Escrevo este artigo na mesma semana de mais uma campanha do Banco Alimentar. Mais uma vez a esquerda odeia porque os pobres são “propriedade” da esquerda e pelo atrevimento de um grupo de voluntários, esmagadoramente com origem em grupos cristãos, de ficarem com a “luta” que é deles e que está entre uma luta pela palestina e outra por todas as minorias exceto a dos pobres; e a direita adora porque ao oferecer o seu pacote de arroz já consegue ir para um jantar de sushi sem que o gunkan de caviar lhe faça mal.

A mim deixa-me um misto de sensações dificilmente conciliáveis e quase antagónicas. Por um lado agradecido, a que alguém (são muitos “alguéns”) disponha do seu tempo e do seu sorriso para ajudar quem mais precisa. Por outro lado revoltado, por em Dezembro de 2024 ainda precisarmos de pedir uma ajuda num saquinho para que alguém (infelizmente, continuam a ser demasiados “alguéns”) possa ter o que comer.

E se a mim me revolta existir quem tenha fome em 2024, o que sentirá o Estado? Bom, por um lado, provavelmente, alívio porque alguém está a fazer o que é da sua responsabilidade. Por outro lado, satisfação porque sempre dá umas imagens publicitárias incríveis numa altura especialmente forte em campanhas de marketing. E finalmente sente lucro, porque a caridade, neste caso, paga 23% de IVA.

Em 2022, os 21 bancos alimentares existentes em Portugal distribuíram quase 30 toneladas de bens alimentares, equivalentes a um valor estimado de pouco mais de 44 milhões de euros. Se aplicarmos uma taxa média de 17% (assumindo os bens essenciais doados com taxa reduzida), a solidariedade dos portugueses rendeu ao Estado cerca de 7,5 milhões de euros.

Talvez um dia o Estado possa pensar em reverter todo o valor arrecado em impostos resultantes da solidariedade e aplicá-lo no combate efetivo à pobreza e à fome e passe a sentir vergonha por ser o responsável máximo de uma sociedade que, sob a sua responsabilidade, continua a ter pedintes.

A minha Esperança de Natal

Comecei este texto anunciando um ódio à pobreza (o título choca e pode enganar quem não lê o artigo, mas de certeza que todos concordamos que choca muito mais termos crianças com fome), mas só me faz sentido terminar com esperança. Quero acreditar que há mais quem se indigne, quero acreditar que na classe política exista quem tenha a vontade de pensar diferente. Tenho uma enorme crença que em próximos Orçamentos de Estado possamos assistir a uma mudança de paradigma.

O Mundo não será melhor se governado por populistas, não salvaremos vidas se continuarmos a validar a fomentação do ódio e a divisão das sociedades em novas “lutas de classes”, não iremos sobreviver enquanto sociedade se não nos focarmos na essência.
A esperança que selo num desejo, é que possamos mudar este fado e que tenhamos a coragem de desenhar políticas para pessoas, de mudar comportamentos pelas pessoas e de focarmos os nossos objetivos sociais nas pessoas.

Vivemos numa época de “likes”, perfis e personagens e de uma busca constante de validação por estranhos a quem chamamos de “amigos” porque nos enchem uma vida vazia através de redes sociais onde tudo parece idílico. Tenhamos a força de encher as nossas vidas com pessoas, de transformar a vida dos outros e trabalharmos para um mundo mais justo, mais digno e menos pobre. Os romanos diziam que o Povo apenas precisava de pão e circo. Transformámos este Mundo num “circo”, está na hora de conseguirmos transformar promessas em “pão”.





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