Por isso, não escondi que considero a versão woke da história norte-americana ou europeia em boa parte um disparate factual e um erro politicamente tóxico. Um disparate e um erro que alimenta divisões e uma guerra cultural que só favorece os extremos, ajudando a explicar fenómenos como o de Trump. Também nunca escondi que considero uma nova presidência de Donald Trump – e o facto de, como muitas vezes afirmei desde 2020, o trumpismo me parecer um fenómeno que veio para ficar – como uma péssima notícia para a liberdade e a estabilidade nos EUA, na Europa e do mundo.
Não o digo com base em gostar ou não de Donald Trump como pessoa, o que seria um disparate mesmo que o conhecesse pessoalmente, mas com base naquilo que temos para o avaliar com o mínimo de objetividade: as suas intenções declaradas e as suas ações passadas. Respeito demasiado Trump e os trumpistas para pensar que o que dizem é tudo mentira e farão o contrário. Dito isto, não faço análise em função das minhas preferências, é inútil e é pouco interessante. Não foi pelo facto de considerar péssimas a invasão russa da Ucrânia em 2022 ou a eleição de Putin em 2024 que deixei de afirmar que eram respetivamente possíveis e certas antes de acontecerem. Disse e escrevi inúmeras vezes que Trump podia ganhar, embora nunca tenha afirmado que certamente isso iria acontecer. Porquê esta falha?
A história dos EUA dizia-nos – e muitas vezes o repeti – que o mais normal nesta eleição seria um qualquer candidato republicano normal vencer. Os democratas estiveram no poder desde 2009 com exceção do mandato de Trump. Também há uma tendência global antigovernos desde a Grande Recessão, agravada pela pandemia. Ambas, tal como a Grande Depressão de 1929, alimentaram populismos que apresentam soluções simplistas assentes em messias salvadores e bodes expiatórios para problemas complexos explorando queixas legítimas face a elites muitas vezes incompetentes e corruptas. Nunca um partido tinha vencido com uma maioria dos norte-americanos tão insatisfeitos com o estado do país, indicando como sua principal preocupação a economia, sobretudo com uma inflação como não se via há muitos anos (e em relação à qual, há anos, critiquei por aqui a complacência da Administração Biden). Isso levou em boa parte, aliás, à derrota de Trump em 2020. Claramente isso, e uma imigração ilegal a níveis nunca vistos, pesou mais no final do que os 35% que se preocupavam sobretudo com o futuro da democracia. Ou o facto de muitos economistas de elite considerarem que as promessas eleitorais de Trump levarão a mais e não menos inflação.
Porque é que não afirmei então taxativamente que Trump ia certamente vencer e apenas disse que podia vencer? Porque não gosto de dar certezas que não tenho. Trump faz toda a sua carreira com base no facto de não ser um republicano tradicional. Muitos dirigentes históricos republicanos e a maioria dos antigos ministros de Trump vieram dizer que ele não era um verdadeiro conservador, que tinha sido incompetente como Presidente e era perigosamente fascinado com autocratas e ditadores. Mais: apenas um Presidente em toda história dos EUA conseguiu perder a reeleição, manter-se politicamente ativo e voltar à Casa Branca: Grover Cleveland, em 1893. Mas Cleveland tinha ganho no voto popular nas eleições de 1888, o que ajudou a manter a sua liderança política dos democratas. Agora parece evidente que a opção de Trump de recusar reconhecer a derrota em 2020 não o fez pagar um preço político elevado, pelo contrário, acabou por lhe permitir emular Cleveland e convencer os seus partidários de que ele não tinha perdido legitimamente e merecia uma segunda hipótese na Casa Branca.
Também sublinhei várias vezes que, desde o século XIX, o único vice-Presidente que conseguiu ser eleito imediatamente a seguir ao mandato do “seu” Presidente foi George H.W. Bush, em 1988, quando Reagan tinha uma taxa de aprovação popular estratosférica, a economia estava a bombar e os EUA estavam à beira de vencer a Guerra Fria. Escrevi que, apesar de tudo disso, Harris ter substituído Biden voltou a tornar a eleição competitiva, e mantenho. Com Biden a sondagens apontavam para uma derrota esmagadora. Como também mantenho que Harris até excedeu as expectativas em campanha. O problema é que essas expectativas eram baixas e esta seria uma campanha difícil para qualquer candidato democrata, em particular para uma vice-Presidente de um Presidente impopular. É claro que, como várias vezes afirmei, Biden nunca se deveria ter recandidatado e desistiu tardiamente. Como também afirmei várias vezes antes do resultado final ser conhecido que Harris parecia estar a falhar numa tarefa fundamental, distanciar-se de Biden. Isso foi claramente fatal e decisivo, lamento não ter tido a certeza de que seria assim.