Quero dedicar uma primeira palavra ao nosso parceiro de coligação, o PSD. Pela oitava vez na história da nossa democracia, o PSD e o CDS estão juntos no governo. Foi assim, porque depois de 8 anos de socialismo, os dois partidos juntaram esforços, quadros e votos, criando um novo projeto para Portugal, que permitiu a derrota do PS e das esquerdas e o início de uma alternativa de centro-direita que trouxe uma nova esperança. Os portugueses votaram pela mudança e terão mudança. Os portugueses pediram diálogo e terão diálogo. Ficou confirmada uma regra com 50 anos: sempre que juntaram forças, os nossos partidos nunca perderam eleições legislativas.”
Nuno Melo arrancou o seu discurso de encerramento do 31.º Congresso do CDS com uma referência ao seu parceiro de coligação, representado nesta reunião magna por Paulo Rangel, enquanto ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, e por Pedro Alves, deputado e coordenador do partido para as eleições autárquicas. Repetindo uma ideia que usado nas suas intervenções, e que vários congressistas deixaram neste Congresso, o líder democrata-cristão puxou pelos méritos do CDS e sugeriu que não fosse o papel do partido e talvez não tivesse sido possível ganhar as eleições de 10 de março. É um lembrete permanente: o CDS procura contrariar a ideia de que entrou no Governo e na Assembleia da República por especial favor de Luís Montenegro; foi, insistem, essencial para a vitória e será essencial no novo ciclo político.
Dentro de dias, o CDS-PP terá um importante desafio eleitoral. Será na Madeira, disputando eleições regionais em listas próprias. Na oposição na Madeira o CDS foi eficaz e no poder, um fator reconhecido de estabilidade e competência. Sei que estarão todos à altura do desafio e da singularidade do novo tempo político na Região Autónoma. O CDS não tem responsabilidades no detonar da crise e é um partido com capacidade de construir estabilidade e soluções. A Madeira precisa dessa capacidade.”
O líder do CDS não deixou de lembrar, ainda assim, que o partido nunca teve medo de ir a votos sozinho sempre que as circunstâncias o recomendavam ou obrigavam. Falando sobre o caso específico da Madeira — onde o CDS foi sempre oposição até às eleições regionais de 2019, altura em que Miguel Albuquerque perdeu a maioria absoluta –, Melo assumiu que o partido encara as próximas regionais, com data marcada para 26 de maio, com vontade de fazer prova de vida e não esquecendo que a crise política que obrigou a novas eleições foi da responsabilidade de Miguel Albuquerque e dos sociais-democratas. Recorde-se que, depois disso, PSD e CDS romperam a coligação e que o social-democrata já veio assumir que está disponível para contar com o Chega. Ou seja, o CDS vai testar a sua força a sós na Madeira, tendo como adversários o partido-irmão e o partido emergente.
Logo depois, o CDS-PP estará empenhado num outro desafio eleitoral, coligado com o PSD, para as eleições europeias. (…) Nas próximas eleições europeias a opção nas urnas será entre a tolerância e os extremismos, entre os que se reveem nas lideranças de Helmut Kohl, Margaret Tatcher ou Carl Bildt e os novos adoradores de Putin ou de Lukatchenko. Entre os que lutam politicamente pela libertação da Ucrânia, e os que vão a votos nas nossas democracias, mas se passeiam na Praça Vermelha de Moscovo, levando na camisola o rosto do ditador russo. Em Portugal, a opção será entre os que são amigos e aliados de uns, e os que são amigos e aliados dos outros.”
Nuno Melo apontou depois às europeias, que acontecem a 9 de junho, e onde o CDS vai competir integrando uma coligação liderada pelo PSD. Ora, nesta passagem do seu discurso, além de tecer críticas a todos aqueles que, à esquerda, não condenam ativamente o regime de Vladimir Putin, Melo não poupou (sem nunca nomear) André Ventura, aliado político do vice-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini, da Liga, que chegou a posar com um camisola estampada com a cara de Putin. É mais uma forma de o CDS tentar marcar bem as diferenças entre a direita que representa e aquela que o Chega quer representar. Entre os moderados e os extremistas. Entre a verdadeira direita e a direita que se diz de direita.
Se em 2011 outro governo da AD herdou um País em crise económica e financeira, em 2024 a crise legada pela esquerda é fundamentalmente social. (…) Se antes legaram a troika, agora trouxeram o colapso ao Serviço Nacional de Saúde, a instabilidade à Escola pública, a porta de saída aos jovens, o desperdício à agricultura, a anarquia à Habitação, as dificuldades às empresas, os problemas ao sector social. Como tantas outras vezes no passado, saberemos estar à altura da tarefa.”
Foi a primeira crítica (de muitas) de Nuno Melo ao PS. O democrata-cristão fez questão de lembrar o ponto de partida da Aliança Democrática para que não haja dúvidas sobre a dimensão da tarefa que a coligação tem pela frente. É uma forma de fazer a gestão de expectativas: ao longo dos últimos dois dias de Congresso, foram vários os elementos do CDS a recordarem que não há dinheiro para tudo e que será sempre preciso fazer opções. Perante o diagnóstico traçado por Melo, será difícil responder e resolver as reinvindicações de todos — e por isso importa tanto lembrar sempre a tal “crise legada pela esquerda”.
Para já, convém que comecemos a distinguir com clareza o normal, do exótico, conduzindo o debate político a mínimos de racionalidade. A primeira critica ao Governo chegou por causa de um logotipo. O problema é que não perceberam que nunca esteve em causa a estética, mas a essência. Quando o PS decidiu apagar a esfera armilar, não estilizou um logotipo. Apagou o único elemento perene em todas as bandeiras nacionais, identitário de um povo, que não se encontra em 2024, porque só se mede em 9 séculos de história. Repondo a esfera armilar o governo da coligação apenas resgatou a identidade de Portugal que não se confunde com a de qualquer outro país.”
Ainda que tenha sido uma promessa feita de viva voz durante a campanha eleitoral, a primeira decisão do novo Executivo motivou fortes reações à esquerda, que criticou duramente a decisão de voltar a integrar no logótimo oficial do Governo elementos identitários da bandeira portuguesa, como a esfera armilar, as quinas e as chagas de Cristo. Tendo a alteração feita pelo governo de António Costa merecido duras críticas por parte da direita mais conservadora, Nuno Melo fez questão de reclamar o mérito dessa reversão para o CDS e confortar o eleitorado mais à direita (do CDS e não só). Foi aplaudido de pé pelos congressistas.
Já noutra crítica, estes dias, o PS, que durante 8 anos bateu todos os recordes de carga fiscal, aumentou o IRS, o IRC,o IMI, o IUC e o ISP, ataca o governo da AD, porque nos primeiros 15 dias desceu os impostos sobre o trabalho, bem além do que o próprio PS defendeu. É difícil encontrar um adjetivo que qualifique uma coisa assim. Se continuarem a criticar por começarmos a reduzir o IRS bem além do que o PS queria, isso quer dizer que estamos certos e o PS — como de costume — em processo amnésico acelerado.”
No momento dedicado à prestação de contas sobre os primeiros dias de Governo, Nuno Melo falou também sobre a saga em torno da redução do IRS. Não se alongando muito em explicações ou na defesa dos méritos da proposta da Aliança Democrática, o líder do CDS ensaiou a fuga para a frente e manteve a linha oficial do Governo: goste-se ou não, ache-se suficiente ou não, a verdade é que sociais-democratas e democratas-cristãos foram mais longe na redução de IRS do que os socialistas. Este é o argumentário oficial. Resta saber se o CDS tentará ou não pressionar o parceiro sénior da coligação para ser mais ambicioso na redução de impostos sobre o rendimento — pelo menos, seria de esperar que o fizesse, tendo em conta que é uma das grandes bandeiras do partido.
Podem esperar do CDS neste percurso, no Parlamento, é um partido que será leal na coligação, e também nítido na singularidade que lhe acrescenta como activo. O CDS-PP estará ao lado das reformas estruturais necessárias para colocar Portugal num ciclo de crescimento económico sustentável e no pelotão da frente da União Europeia, devolvendo rendimentos às famílias e às empresas, promovendo melhores salários e reforçando o Estado social. O CDS-PP valorizará o papel das famílias, o valor do mérito e do trabalho, reactivando a mobilidade social e o papel insubstituível da classe média. O CDS-PP lutará contra a corrupção e pela reforma da Justiça e a autoridade do Estado, com respeito pelas Forças de Segurança e por uma imigração regulada. O CDS puxará pela Agricultura e pelo mundo rural; pela sustentabilidade com objectivos realistas e atingíveis; e também por uma educação com exigência e oportunidades; e um Estado Social que junte à matriz publica as capacidades instaladas nos sectores social e privado, focados também nos desafios do envelhecimento da população portuguesa.”
A defesa da tal “singularidade” do CDS. O partido chegou ao Governo e regressou ao Parlamento graças à aliança com o PSD. Os democratas-cristãos são os primeiros a reconhecer que, em virtude da correlação de forças que existe, não têm o mesmo poder negocial de outros tempos. Ainda assim, Nuno Melo sabe que não se pode instalar a ideia de que o partido é um adereço no Executivo, sem agenda, ideias ou propostas próprias, e que a sua área de intervenção não pode estar limitada à Administração Interna ou Defesa (ainda que as áreas de soberania sejam especialmente importantes para o partido). É cedo para antecipar exatamente qual será a impressão digital do CDS na condução das políticas do Governo, mas Melo elegeu estas prioridades e prometeu lutar por elas. Lealdade pode ser confundida com obediência.
Na Defesa Nacional, com respeito pelas possibilidades orçamentais, o governo da coligação terá respostas para as necessidades de importância do investimento na defesa; pela dignificação das Forças Armadas e a valorização dos antigos combatentes; pela actualização dos incentivos ao recrutamento e retenção de militares; pela capacitação produtiva e tecnológica da indústria de defesa e pela a modernização e a adequação dos equipamentos e instalações, caminhando-se também, progressiva e determinadamente, para a efectivação do compromisso internacional de investimento português no quadro NATO.
Melo puxou depois para si o discurso, lembrando as responsabilidades que tem como ministro da Defesa. O líder do CDS sabe que recebeu uma pasta que raramente é notícia pelas melhores razões e que herdou uma área onde se vão sentido sinais muito alarmantes de contestação. Melo, e o CDS por arrasto, serão julgado pela forma como conseguirem, em primeiro lugar, serenar o setor, e, posteriormente, torná-lo mais atrativo. Sem se comprometer com objetivos concretos, o ministro da Defesa prometeu revisitar a carreira e a grelha salarial dos militares, mas lembrando sempre que não pode ir para lá do que é possível fazer do ponto de vista orçamental.
Em 2024 celebramos os 50 anos do 25 de abril. Em 2025, devemos celebrar – e não esquecer – os 50 anos do 25 de novembro. ‘Há dois dias, o general e presidente Ramalho Eanes dizia “Não percebo que estigmatizem e se esqueçam do 25 de novembro porque o 25 de novembro é a continuação do 25 de abril.’ É rigorosamente o que pensamos no CDS há já 49 anos.
Não esquecemos nunca que o 25 de novembro foi um movimento militar que salvou a democracia em Portugal. Concertei com o primeiro-ministro, que no âmbito da Defesa e do Governo, criaremos uma Comissão para as comemorações nacionais dos 50 anos do 25 de novembro, plural e justa, com militares e civis. Deixo-vos uma certeza: durante o ano de 2025, faremos justiça a esta data primordial e também ela fundacional da Democracia em Portugal.”
Era ‘a’ surpresa que Nuno Melo tinha reservada para o segundo e último dia de Congresso. A coreografia foi devidamente ensaiada. O simbolismo na celebração, o facto de ter sido Nuno Melo a anunciá-lo (concertado com Luís Montenegro) e ainda o facto de ser coordenada pela Defesa, tudo serve para falar a uma direita que, porventura, deixou de se sentir representada pelo CDS e que se mudou para outras latitudes. Durante dois dias de Congresso, houve vários congressistas a desafiarem a atual direção a não ter “medo” de ser de direita e a afirmar a sua linha mais conservadora. Não será possível cumprir toda a agenda do CDS, sobretudo em matéria de costumes. Mas Nuno Melo tentará agarrar cada oportunidade, mesmo que simbólica, para falar sobre esse eleitorado. Como reconheceu mais tarde Paulo Rangel, representante do Governo neste congresso, o PSD ganha com um CDS mais forte. E um CDS mais forte será a melhor maneira de impedir que a direita fique tão dependente do Chega. Ou exposta.