Quando este texto for publicado os franceses vivem a primeira volta das eleições que há alguns anos se consideravam impossíveis. Impensáveis, até. Afinal não demorou muito para que o impossível de ontem se tornasse no inevitável de hoje. E o impensável passasse a facto consumado.
E o que é (ou era) o impossível? Que o Rassemblement National (RN) anteriormente Front National (FN) se configure como um dos possíveis vencedores do dia de hoje. E o que é (ou era) impensável? Que trinta e seis anos de cordões sanitários e de frentes republicanas não acabassem com aqueles que se pretendia marginalizar. Mas o impossível e o impensável aconteceram e deixaram a França sem centro político.
Mas sejamos honestos, não foram os extremistas quem destruiu o centro. Foram sim aqueles que se apresentaram como donos do centro e que, através duma crescente e obscena contradição entre o declarado e o praticado, acabaram a tornar aceitáveis aqueles a quem chamavam extremistas, populistas, fascistas… porque eles mesmos, os democratas, faziam no presente aquilo que – garantiam eles – os fascistas, os extremistas e os populistas iam fazer no futuro se fossem eleitos.
Desde 1986 que em França o centro se prestou às mais rebuscadas engenharias eleitorais para excluir os ditos fascistas, populistas e extremistas dos cargos de poder. A cada eleição o centro perdia votos, mas quanto mais votos perdia mais crescia a sua empáfica cegueira. Empáfica cegueira que, convém sublinhar, agora mesmo vemos ser replicada pelos dirigentes da UE que optaram por deixar de fora das negociações para as lideranças da UE os Conservadores, por sinal o terceiro grupo com maior representatividade no parlamento. Mais uma vez, com o amargo de boca de quem assiste à repetição de um espectáculo grotesco, vemos a contradição entre o defendido – a verdade das eleições – e a prática – os esquemas para excluir alguns. O dilema que a França vive hoje pode muito bem vir a ser o da UE amanhã.
O debate Biden-Trump é um símbolo do nosso tempo. De alguma forma, e por diferentes razões, somos todos como a elite do partido Democrata que agora se diz em choque após ter levado anos a negar o evidente: Biden está senil. Bastava seguir com alguma regularidade as aparições do ainda presidente dos EUA para o perceber. Estou aliás convicta de que Biden só ganhou as anteriores eleições porque a campanha que as precedeu foi substancialmente reduzida com Biden a fazer pouco mais que umas estridentes aparições de óculos escuros. Mas em 2024 não há já forma de esconder o que em 2020 se conseguira escamotear. Numa opção que certamente alimentará especulações durante anos, os Democratas – num gesto para uns de desespero, para outros de negação, perfídia, arrogância… ou tudo isso e o seu contrário – acabaram a ver o seu candidato e ainda Presidente a atolar-se numa prestação que certamente fez alguns rostos sorrir em Pequim e Zelensky beber mais um golo da taça de fel que a solidariedade ocidental lhe oferece. Quando a grande potência do mundo em que queremos viver acaba a discutir o seu futuro num debate nestes termos todos nos sentimos mais frágeis. Muito frágeis mesmo.