O Parlamento Europeu mudou, mas ficou tudo na mesma relativamente à Ucrânia. O hemiciclo foi claro a aprovar uma resolução que defende a “necessidade de a UE apoiar continuamente a Ucrânia” com 495 votos a favor em 495 deputados em 679 votantes, o que corresponde a 73% de apoio. Ainda assim, houve 137 votos contra, sendo um deles do recém-eleito eurodeputado do PCP, João Oliveira. Houve ainda 47 abstenções, que inclui a eurodeputada bloquista Catarina Martins e o chefe de delegação do Chega, António Tânger Corrêa. O Parlamento queria dar um sinal político e os eurodeputados portugueses também.
Pouco antes das eleições europeias foi divulgado um ranking em que o PCP era dos partidos que votava resoluções de forma “mais amiga” para a Rússia. Sandra Pereira estava em segundo lugar, João Pimenta Lopes em sexta. Agora, os comunistas portuguesas vira a a sua representação reduzida para metade, mas João Oliveira mantém a tradição de votar da forma mais favorável para a Rússia e, por consequência, mais desfavorável para a Ucrânia.
Mas a posição do PCP não só é assumida como é ativa nesta matéria. Numa reunião com Úrsula von der Leyen na sexta-feira com o grupo da esquerda europeia (The Left), João Oliveira não escondeu a posição e questionou a presidente da Comissão de forma crítica sobre a abordagem à guerra na Ucrânia. “Senhora Von der Leyen quero começar pela única questão que abordou na sua intervenção inicial a propósito da guerra e da Defesa. O militarismo, a escalada armamentista, a política de confrontação e de guerra, podem servir a quem lucra com o negócio da guerra, mas não serve aos povos nem ao interesse dos povos”, começou por dizer João Oliveira.
O deputado comunista acrescentou depois a mesma reflexão sobre o conflito no Médio Oriente: “O que serve aos povos é a ação política que, por exemplo, ponha fim ao genocídio em Gaza e garanta o respeito pelos direitos do povo palestino. E a pergunta que lhe faço é se vai continuar a não tomar medidas que efetivamente contribuam para este objetivo?”
João Oliveira avançou depois com uma proposta que vai ao encontro do que propõe Viktor Orbán: “Em relação à Ucrânia o que serve os povos é sentar à mesa das negociações a Ucrânia, os EUA, a NATO, a UE e a Rússia, para construir uma solução política para o conflito, mas também uma solução que garanta a paz e a segurança coletiva na Europa, na base dos princípios da ata final da conferência de Helsínquia.” E terminou a intervenção a acusar Ursula von der Leyen de “continuar promover o prolongamento da guerra com as graves consequências e riscos que comporta”. O voto de João Oliveira sobre a resolução não foi, por isso, uma surpresa.
Já depois da votação o PCP emitiu um comunicado a dizer que esta aprovação por parte do Parlamento Europeu “enferma de uma imensa hipocrisia, quando este, ao mesmo tempo, optou por manter um silêncio cúmplice perante os massacres e o bloqueio que Israel impõe ao povo palestiniano na Faixa de Gaza, configurando um genocídio.” Diz ainda que a resolução é “imbuída de retórica belicista” e alerta que “se levada à letra, significaria que Portugal deveria gastar mais de 640 milhões de euros por ano para fomentar o prolongamento da guerra e alimentar os fabulosos lucros da indústria do armamento, em vez do País investir essas verbas na resposta aos problemas do povo português.”
A maioria dos deputados (55) nos “Patriotas da Europa” — que tem vários partidos que tiveram ligações a Vladimir Putin — votaram contra a resolução. Houve depois 15 eurodeputados que se abstiveram, sendo um deles António Tânger Corrêa. Houve, porém, uma divergência no voto entre os dois deputados do Chega. Isto porque Tiago Moreira de Sá, que tem um histórico pró-Ucrânia, foi um dos dois deputados dos “Patriotas pela Europa” que votaram a favor da moção. As críticas que o documento tinha a Viktor Orbán, grande promotor do grupo, também não terão ajudado à votação.
A eurodeputada do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, também optou pela abstenção na resolução — o mesmo sentido de voto de Tânger Correia. O BE também defende que se deve priorizar o debate em torno da situação em Gaza. O plenário desta quinta-feira começou, aliás, com a presidente do Parlamento Roberta Metsola a dar conta que “o grupo da Esquerda Europeia solicitou que uma discussão no Parlamento sobre a defesa do direito humanitário e do direito internacional em Gaza seja acrescentada como primeiro ponto da tarde”. A proponente era Catarina Martins, mas a proposta foi rejeitada.
A resolução aprovada pelo Parlamento Europeu tinha o objetivo de mostrar que este órgão, apesar de ter uma composição diferente, mantém um elevado e maioritário nível de apoio a Kiev. O texto fala em “agressão ilegal, não provocada e injustificada” contra a Ucrânia e denuncia as “atrocidades sistemáticas e em grande escala nos territórios ocupados”.
O texto tem depois dez pontos que começam por reafirmar o “apoio contínuo à independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas”, bem como a garantia de “apoio político, financeiro, económico, humanitário, militar e diplomático durante o tempo que for necessário para garantir a vitória da Ucrânia”. O mesmo documento reafirma o “direito legítimo à autodefesa” da Ucrânia e “congratula-se com as negociações de adesão à UE recentemente lançadas com a Ucrânia e a República da Moldávia”.
Num dos pontos virados para dentro da própria UE, o Parlamento Europeu “condena a recente visita do primeiro‑ministro húngaro, Viktor Orbán, à Federação Russa” e salienta que não só “durante esta visita, não representou a UE”, como “considera que a visita constitui uma violação flagrante dos Tratados da UE e da política externa comum, incluindo do princípio da cooperação leal”.
A mesma resolução diz que Orbán “não pode alegar representar a UE quando viola as posições comuns da UE” e “lamenta que a Hungria tenha feito uma utilização abusiva do seu direito de veto no seio do Conselho para impedir a concessão de ajuda essencial à Ucrânia”. O documento “insta a Hungria a levantar o seu bloqueio ao financiamento do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz para a Ucrânia, incluindo ao acordado reembolso dos Estados‑Membros pela assistência militar já prestada”.
Os eurodeputados europeus instam ainda — num texto muito crítico para a Rússia e para o primeiro-ministro húngaro — “o Conselho a manter e alargar a sua política de sanções contra a Rússia e a Bielorrússia”.