Na agenda desta tarde da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento estava marcada uma intervenção de fundo, sobre economia, de Pedro Nuno Santos, diante de uma plateia de legisladores norte-americanos. Logo a seguir, Marcelo Rebelo de Sousa faria outra — mas essa seria impossível de acompanhar, uma vez que, por “indicação da Presidência da República”, aconteceria à porta fechada. Afinal, Marcelo mudou de ideias: depois de o líder socialista ter feito uma declaração longa em que marcou diferenças em relação ao PSD e ao modelo económico que os dois partidos defendem, o Presidente da República preferiu defender, com jornalistas na sala, a necessidade de chegar a “compromissos” — definindo a “estabilidade” em Portugal como um bem precioso.
O líder do PS seria o primeiro a falar e, à frente de representantes políticos de vários estados norte-americanos, não pareceu ter vontade de parar: a conversa estava distendida e Pedro Nuno Santos respondia a várias dúvidas, incluindo a de uma interlocutora que fez notar que, apesar de ser socialista, o secretário-geral do PS lhe soava “amigo dos negócios”. A descrição agradou ao socialista, que passou cerca de uma hora a traçar os objetivos para o modelo de desenvolvimento económico português e europeu que tem defendido desde que chegou à liderança do partido — e a traçar as diferenças relativamente à prática do governo de Luís Montenegro.
Numa espécie de explicação sobre o desenvolvimento da economia portuguesa desde que Portugal entrou na comunidade europeia, Pedro Nuno não resistiu em lançar desde logo uma farpa, escrita entre parênteses, para dizer que o nome do PSD é, na verdade, um “equívoco” — o partido é “neoliberal” e não social-democrata “há muitos anos”, disparou. A crítica foi feita por entre os ataques ao “governo de direita” de Pedro Passos Coelho, que acusou de “baixar os salários reais, aumentar a carga fiscal e acelerar a imigração”, num período que “deixou cicatrizes sociais profundas” no país.
Pedro Nuno Santos frisaria que a situação melhorou durante os Governos Costa, com um crescimento mais “equilibrado” no país, embora mesmo esse, muito assente no turismo, tenha tido “consequências sérias e não intencionais” nas condições de vida dos portugueses, da aceleração da gentrificação à subida dos preços das casas. Para a economia ser mais próspera, tem de ser “mais diversificada”, capaz de pagar salários mais altos e de promover uma cooperação maior entre as empresas e o Estado, defendeu — chegando, no fundo, à base do que tem sido o seu programa para a economia.
Há meses que o PS vem acusando o PSD de não ter qualquer ideia sobre como pôr o país a crescer e de se limitar a planear descer impostos, como o IRC, sem uma visão suficientemente estratégica. Desta vez, Pedro Nuno Santos voltou a disparar nesse sentido, acusando os sociais democratas de acreditarem que “o crescimento e a prosperidade do país dependem de baixar os impostos das corporações”. “É como se não fosse preciso uma estratégia: é só tirar o Estado da economia, baixar esses impostos, e o mercado decidirá que empresas e setores têm sucesso”, resumiu.
Ora a estratégia que Pedro Nuno Santos tem defendido passa por pôr o Estado a ajudar e investir em setores específicos, que sejam capazes de ajudar a economia a “chegar a níveis altos de especialização e sofisticação”, criando uma “parceria real entre público e privado”. Mas, para o PS, há dois problemas: por um lado, a nível das regras europeias, há condicionantes que travam a necessária “reindustrialização” da economia e os investimentos que devem ser feitos nas maiores empresas de cada Estado-membro; por outro, a nível nacional, não há uma estratégia para a economia e as medidas de descida de impostos avulso não resolverão nada.
Foi assim que o líder socialista chegou ao exemplo mais recente, pegando nas isenções de impostos para quem compra a primeira casa para atacar o Executivo de Montenegro. “Nos próximos anos teremos a prova” de que isenções de impostos na Habitação “não resolveram o problema”, garantiu. “Não há respostas simples”, lamento. Se no caso da TAP tinha recordado a sua experiência como Ministro das Infraestruturas — para elogiar a experiência de ajudas norte-americanas às empresas de aviação, e lamentar a falta de fundos semelhantes (e de regras de auxílio mais flexíveis) a nível europeu –, no caso assegurou conhecer bem o problema e a resumi-lo assim: “Precisamos de habitação pública”. Isto apesar de os Governos Costa, onde Pedro Nuno Santos chegou a ter a responsabilidade pela pasta da Habitação, também não terem conseguido promovê-la.
Contra as tais respostas “simples”, Pedro Nuno Santos ainda se dedicou, durante o período de perguntas e respostas, a explorar longamente a questão do populismo e das respostas “complexas” que são mais difíceis de digerir quando o alvo é um público revoltado. Num momento em que parecia estar a pensar alto para responder a uma questão a que os partidos tradicionais ainda não conseguiram dar resposta — como fazer frente aos extremismos, travando o seu crescimento –, o líder do PS chegou a mostrar “incompreensão” por ver as gerações mais jovens a encaminharem-se para projetos políticos que “nem são projetos, são só discursos populistas”. Mesmo admitindo que a “frustração é real e justificada” e que nem todos têm “paciência” para ouvir “discursos complexos”.
Do lado do PS, assumiu, as faixas de eleitorado mais consistentes continuam a ser as mulheres e os mais idosos — possivelmente, sugeriu, porque “valorizam mais a comunidade e o Estado Social”, sendo que justificou parte do crescimento da extrema-direita com as características “individualistas” mais presentes na sociedade atual.
Soluções? Por um lado, é preciso reduzir desigualdades para diminuir a “polarização que envenena” o cenário político e garantir a “estabilidade” do mesmo, defendeu. Por outro, “temos de repensar as políticas, mas também a forma como comunicamos”, avisou. “Podemos simplificar o discurso sem simplificar os problemas, que existem e são reais. Os partidos democráticos ainda não são muito bons na comunicação”.
No Tik Tok e semelhantes, os extremos vencem, assumiu o socialista. E, num momento em que já passava do limite de tempo para falar — Marcelo Rebelo de Sousa já esperava para se sentar no mesmo lugar e intervir –, admitiu, entre gracejos e palavras sérias: “Há um campo em que os populistas estão a ganhar, de longe. Temos de aprender, eu também tenho de aprender, a transmitir uma mensagem em trinta segundos”.