A dúvida adensou-se ao longo da noite. Os líderes da esquerda juntaram-se mais tarde num comício na Praça da República, no centro de Paris, e, uma vez mais, as fraturas entre a FI e o resto da coligação ficaram expostas: o socialista Faure foi vaiado por alguns, a ecologista Marine Tondelier recebeu apenas aplausos educados quando disse a frase “Não baixamos a cabeça, não baixamos os olhos, não baixamos os braços!”. Mas a grande explosão de alegria foi para Mélenchon, que não falou de união ao centro, mas sim da “França revolucionária” que, garantiu, “todo o mundo adora”. A multidão, recheada de apoiantes da FI, aplaudiu fortemente.
À saída do comício, Olivier Faure falou à France Info e voltou a relembrar que esta não é uma coligação dominada pelos Insubmissos e que tem outros membros: “Não é o senhor Mélenchon quem dita o programa do próximo governo e não será ele o próximo primeiro-ministro”, garantiu. “O objetivo tem de ser o de servir de barragem à extrema-direita.” Este, sim, era um verdadeiro ramo de oliveira estendido ao Renascença — e, sobretudo, aos eleitores, entre quem Mélenchon regista taxas de rejeição cada vez maiores.
Mas é mais fácil para a esquerda manter essa proposta, já que, na maioria dos círculos em disputa, os seus candidatos estão em segundo e não em terceiro, como os do Renascença. Este está, como previa um conselheiro do governo ainda antes da eleição de sábado, “no lugar do morto ou do idiota”. Por outras palavras: ou perde completamente, desinstindo, ou resiste e passa a ser visto como o empecilho que pode permitir a vitória total da União Nacional.
Daí que Emmanuel Macron se tenha apressado a distribuir jogo assim que as primeiras projeções foram conhecidas. Num comunicado, anunciou ser necessária uma “união ampla, republicana e claramente democrática para a segunda volta”, de forma a defrontar a UN. A expressão é suficientemente vaga para questionar se os candidatos da França Insubmissa de Mélenchon — quando há apenas dois dias Macron classificava algumas declarações de membros do partido como estando “fora do arco democrático” — deveriam fazer parte dessa união.
Ao longo da noite, vários políticos próximos de Macron foram clarificando nas televisões a estratégia: os eleitores que quiserem derrotar a ex-Frente Nacional devem analisar “caso a caso” qual a melhor alternativa, perante os candidatos do seu respetivo círculo eleitoral. Yaël Braun-Pivet, atual presidente da Assembleia Nacional que não se recandidatou nesta eleição, apelou a um voto “no candidato mais republicano” de cada triangulação. Questionada na TF1 sobre se todos os candidatos da Frente Popular se encaixavam nessa descrição, foi clara: “Há muitos, mas nem todos seguem essa linha. Sob nenhuma circunstância posso apelar ao voto em alguns candidatos que não partilham os valores republicanos.”