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Poeiras do deserto outra vez. O que são, de onde vêm e que impacto têm na nossa saúde? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 5, 2024

Depois da tempestade Nelson, que provocou o mau tempo na Semana Santa e no fim de semana da Páscoa, chega esta sexta-feira a tempestade Olivia, que vai ter um impacto bem diferente em Portugal: temperaturas elevadas e, mais uma vez, a chegada de uma grande massa de poeiras do deserto ao país.

As poeiras que chegam do deserto do Saara, no norte de África, têm sido cada vez mais frequentes no sul da Europa. Além de deixarem os céus cor-de-laranja, estas poeiras reduzem significativamente a qualidade do ar que respiramos e podem ter um impacto negativo na saúde humana.

O Observador procura respostas a cinco perguntas para compreender melhor este fenómeno meteorológico que se está a tornar mais intenso e mais frequente.

Desta vez, como o Observador noticiava já na quarta-feira, a culpa é da tempestade Olivia, uma tempestade profunda formada no meio do Oceano Atlântico e batizada originalmente pelo IPMA, o instituto meteorológico português. A tempestade vai sentir-se com especial intensidade no arquipélago dos Açores, onde está a provocar chuva e vento.

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No continente, porém, vai ter outro impacto. A tempestade deverá dirigir-se para as ilhas britânicas e, no caminho, vai “puxar” até ao sul da Europa, nomeadamente até Portugal e Espanha, uma grande massa de ar quente do norte de África — bem como uma grande massa de poeiras do deserto.

Além de calor de 30ºC esta sexta, a Olivia traz uma enorme massa de poeira que pode chegar até à Suécia

As previsões do IPMA para esta sexta-feira apontam para temperaturas que podem chegar aos 27ºC em alguns pontos do país. No fim-de-semana, porém, deve registar-se uma queda nas temperaturas e o regresso da chuva.

As poeiras oriundas do deserto do Saara devem sentir-se com grande intensidade esta sexta-feira, sobretudo a partir da tarde, de acordo com as previsões do IPMA. Depois, a partir da manhã de sábado, as chuvas deverão contribuir para dissipar as poeiras, que já não deverão sentir-se com especial intensidade no fim-de-semana.

Estima-se que, todos os anos, entre 60 e 200 milhões de toneladas de poeiras sejam “varridas” do deserto do Saara, o maior deserto subtropical do mundo, como consequência de tempestades de areia. As partículas mais pequenas ficam em suspensão no ar e podem mesmo viajar milhares de quilómetros.

“As tempestades de areia e poeira resultam de intensos gradientes de pressão os quais, por sua vez, são responsáveis por vento forte; o vento forte, persistindo sobre extensas zonas áridas ou semiáridas e montanhosas, levanta para a atmosfera grandes quantidades de areia e poeira a partir de solos nus e secos, transportando-os a centenas a milhares de quilómetros de distância”, diz o IPMA.

Se forem apanhadas em grandes fluxos de ar, podem atravessar o Mediterrâneo e ser transportadas até à Europa, provocando um efeito que começa a ser já bem conhecido dos habitantes dos países do sul europeu: os céus pintados de cor-de-laranja, o ar irrespirável e as ruas cobertas de pó.

De acordo com o IPMA, “é frequente a Península Ibérica ser afetada por tempestades de areia que se formam na região de Marrocos a sul do Atlas”. Aquele instituto explica que “o transporte das poeiras ocorre ou pelo bordo ocidental do Atlas, através de uma circulação sobre o oceano Atlântico, ou através de um fluxo para norte sobre o Atlas, em que as poeiras são projetadas para níveis mais elevados da atmosfera”.

“Tipicamente, as poeiras resultantes das tempestades de areia na região da Argélia são transportadas para o Mediterrâneo, vindo a afetar também os países Mediterrânicos do sul da Europa”, explica o IPMA.

Mas as poeiras — que são partículas muito mais finas do que as da areia normal, e são também, de acordo com o IPMA, “ricas em minerais e nutrientes” — podem viajar para muito mais longe. Em alguns casos, já atravessaram mesmo o Oceano Atlântico para serem detetadas no continente americano.

“As tempestades de areia no deserto do Saara são relativamente frequentes e os ventos por vezes transportam as suas poeiras para bem longe. Por vezes, os ventos alísios, associados à circulação de leste do Anticiclone Subtropical do Atlântico Norte (vulgo Anticiclone dos Açores), favorecem o transporte dessas poeiras ao longo de grandes distâncias, atravessando o oceano Atlântico, até o continente americano”, explica o IPMA.

Sim.

A ciência confirma essa perceção de que os episódios de poeiras do Saara são cada vez mais frequentes no sul da Europa. Um estudo publicado no ano passado comparou a frequência destes acontecimentos nos períodos 2003-2019 e 2020-2022 e concluiu que houve um aumento muito significativo da frequência da intrusão de poeiras do deserto na Europa.

Mais recentemente, estes episódios têm sido oito vezes mais frequentes do que no passado, incluindo mesmo nos meses do inverno. Com o efeito das alterações climáticas, todos os fenómenos meteorológicos extremos tendem a tornar-se mais frequentes e mais intensos.

Estas poeiras podem fazer mal à saúde, como já alertou por diversas vezes a Direção-Geral da Saúde.

Nos últimos anos, sempre que se registam estes episódios de intrusão de poeiras do Saara em Portugal, a DGS tem emitido múltiplos avisos à população, explicando que as poeiras provocam “uma situação de fraca qualidade do ar”, devido a um “aumento das concentrações de partículas inaláveis de origem natural no ar”.

De acordo com o aviso que a DGS deixou há apenas duas semanas, quando se registou uma situação semelhante, as poeiras do Saara têm “efeitos na saúde humana, principalmente na população mais sensível, crianças e idosos, cujos cuidados de saúde devem ser redobrados durante a ocorrência destas situações”.

DGS alerta população para massa de ar com poeiras vindas do norte de África

Numa ocasião semelhante em 2022, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia também tinha alertado para a “potencial influência” das poeiras do Saara “na saúde respiratória da população, em particular dos doentes asmáticos”.

Em janeiro deste ano, a DGS tinha explicado ao Observador que o impacto na saúde depende da concentração de partículas e do tempo de exposição. Uma exposição de vários dias às partículas tem um impacto bastante significativo — mas um episódio de apenas um dia será menos preocupante.

A Direção-Geral da Saúde tem recomendado em todas as ocasiões de poeiras que a população, no geral, “evite esforços prolongados, limite a atividade física ao ar livre e a exposição a fatores de risco, como o fumo do tabaco e o contacto com produtos irritantes”.

Além disso, há recomendações específicas para “grupos de pessoas com maior vulnerabilidade”, como crianças, idosos, doentes com problemas respiratórios crónicos (como asma) e doentes do foro cardiovascular. Essas pessoas devem, na medida do possível, manter-se dentro de edifícios, com as janelas fechadas, durante o período da exposição às poeiras.

A Sociedade Portuguesa de Pneumologia explica que “os doentes asmáticos devem cumprir na íntegra a sua medicação inalatória de controlo habitual ou, em caso de esquema terapêutico de SOS, reforçar a sua utilização”.

“Em caso de agravamento das queixas respiratórias com má resposta às terapêuticas de alívio, deverão entrar em contacto com os cuidados de saúde”, sendo 0 contacto com a Linha SNS 24 (808 24 24 24) a recomendação preferencial.

Em episódios semelhantes no passado, especialmente durante a pandemia da Covid-19, as autoridades de saúde portuguesas sugeriram que o uso de máscara poderia ser útil para se proteger dos impactos das poeiras. Contudo, nos casos mais recentes, a DGS não tem recomendado o uso de máscara.



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