Não há razões para pensar que os nossos parentes primitivos, que viviam na pré-história rodeados de humidade e só saíam de casa para matar os animais com tacos de basebol, precisassem de todas as qualidades e talentos que nós hoje comummente estimamos. Temiam os vizinhos e os asteróides; não distinguiam suficientemente o jeito para a cozinha do jeito para a alimentação; e favoreciam formas de sociabilidade que hoje conseguimos reconhecer mal.
É razoável imaginar que as qualidades e os talentos que esses modos de vida anteriores pareciam requerer tenham elanguescido, e com a continuação deixado de ser cultivados, estimados ou lembrados; mas também que em compensação outras virtudes praticamente desconhecidas desses nossos antepassados se tenham desenvolvido de um modo tal que, quando consideramos a sua proeminência presente, não pode deixar de nos impressionar que nem sempre tivessem existido.
Uma das virtudes praticamente desconhecidas na pré-história era a coragem. Não queremos com isso sugerir que os nossos então colegas de espécie fossem torpes e dissimulados; eram o que podiam ser. Mas na altura as arrelias eram tão frequentes que aconselhavam à contemporização. Desconfiava-se que a vida era como a corrente muito forte de um rio; e em vez de nadar contra a corrente concordava-se em ser-se um pouco arrastado, desde que se acabasse por chegar à outra margem.
Mal amainaram as arrelias mais prementes assistiu-se a um progresso espectacular da virtude da coragem; e à medida que a maior parte dos perigos desapareceu foi-se desenvolvendo o talento de lhes resistir. Não é por isso incomum encontrar hoje pessoas que proclamam que a sua vida será dedicada à resistência; e que fazem desse modo de vida uma ocupação tão exclusiva que por nada neste mundo considerariam outra vida, e decerto não a dos seus parentes primitivos.
O aumento recente das virtudes causou uma distorção no mercado moral, e uma descida generalizada dos preços. Com efeito, quanto mais eloquentes são as proclamações públicas de coragem e vontade de resistência menor parece ser o número de arrelias que justificam pô-las em prática. Existe assim um grande número de pessoas virtuosas a quem o mundo não ordenha convenientemente; porque realmente não parece haver grande emprego para o produto moral que oferecem com abundância comparativa.
Vistas assim as coisas as vantagens evolutivas da coragem mais recente não são imediatamente claras. Mas não estamos a ver bem as coisas. Com efeito, o beneficiário principal das formas mais recentes de coragem é apenas o próprio corajoso. O anúncio da sua coragem e das decisões que tomou por causa dela inclina-o a supor que o mundo serve para lhe servir de ocasião, mesmo que o pobre mundo se veja aflito para continuar a gerar arrelias de níveis pré-históricos. O mundo é porém o que lhe importa menos, porque as formas de coragem mais recentes são principalmente uma forma de auto-ajuda.