Depois de ser conhecido como um partido de um homem só — ainda Rui Tavares estava longe de chegar ao Parlamento — e do tropeção com Joacine Katar Moreira — que entrou no Parlamento como deputada do Livre e acabou de costas voltadas com o partido –, o plantel do Livre acabou mesmo por crescer.
Desta vez, o partido chega ao congresso deste fim de semana com o primeiro grupo parlamentar da sua história e ambições de conseguir eleger uma bancada também na Europa. Ainda assim, os ânimos no balneário do Livre já viram melhores dias: em vésperas de europeias, a polémica que rodeou a escolha do cabeça de lista para esta campanha deixou o partido em rebuliço.
Mesmo com acusações de “chapeladas” pelo meio, a escolha de Francisco Paupério acabou por ser consumada e, num congresso que servirá também para aprovar o programa do partido para as europeias, o candidato a eurodeputado será um dos rostos (e vozes) a que será preciso prestar atenção — ao lado da nº2 da lista, Filipa Pinto, será um dos nomes que falarão no dia do encerramento do congresso.
Fora os deputados, associados à atual direção do Livre, e os candidatos às europeias, haverá ainda outros rostos que poderão ter um papel relevante no congresso: serão os casos dos nomes que encabeçam as restantes listas à direção, ou, em Livrês, “Grupo de Contacto”.
Uma das listas, a B, já integra o órgão, ainda que numa posição minoritária; já a lista C surge agora, é resultado de uma cisão e pede mais democracia interna. Num congresso dois-em-um — é programático, porque tem de aprovar o programa eleitoral, e eletivo, porque tem de eleger os órgãos internos — a agenda será extensa e bem recheada.
Entrou na política há 15 anos, quando se candidatou (como independente mas na lista do Bloco de Esquerda) ao Parlamento Europeu. Na sua biografia oficial, Rui Tavares salta esta fase conturbada do início da sua vida política, é que essa integração na lista bloquista acabou mal, quando dois anos depois de ter sido eleito rompeu com o partido e abandonou a delegação no Parlamento Europeu do BE, passando a eurodeputado independente no grupo dos Verdes europeus.
O mal-estar interno, segundo o próprio contou na altura, já vinha de 2010 e acabou por ter na comunicação social um pretexto aproveitado pelo então líder, Francisco Louçã, para entrar em polémica com Tavares, ao sugerir ter sido ele que, erradamente, tinha cortado Fernando Rosas da lista de fundadores do BE. O braço dado do historiador com o BE acabou aí, mas a carreira política seguiu: manteve-se no Parlamento Europeu até 2014 e nesse mesmo ano fundou o Livre do qual é co-porta-voz até hoje.
Foi para as legislativas seguintes, as de 2015, a defender — de forma isolada e abertamente — que a esquerda devia entender-se para governar, mas não foi eleito e ficou no banco a ver a “geringonça” formar-se com os partidos que não a defenderam em campanha. Só acabou por conseguir ser eleito deputado em 2022. Dois anos depois, o Livre quadruplicou os mandatos no Parlamento e Rui Tavares é um deles.
É o rosto que tem ganhado mais protagonismo nesta luta do Livre para deixar de ser considerado o partido (exclusivamente) de Rui Tavares. Mendes Lopes foi a segunda candidata do partido por Lisboa nas últimas eleições legislativas, tendo sido eleita deputada e, dias depois, escolhida como líder parlamentar por unanimidade pelos colegas.
Não será de estranhar, uma vez que é um nome bem conhecido dentro do partido: já integra o Grupo de Contacto desde 2015 — será agora a primeira candidata pela lista A, seguida por Rui Tavares — e já era deputada municipal antes de assumir o assento na Assembleia da República. Com 39 anos, é engenheira civil, especializada nas áreas de transportes e planeamento, e trabalhou na Infraestruturas de Portugal.
É também mãe de três filhas, tendo já aparecido em várias iniciativas do partido com a filha mais nova no marsúpio e defendendo com frequência a necessidade de haver mais “tempo” para assegurar a conciliação da vida profissional com a familiar. Não se interessa só por política: fez teatro, é fã de livros infantis e também se define como uma “contadora de histórias” — pelo menos, lê-as em iniciativas como a “hora do conto” promovida pela Associação de Residentes de Telheiras, onde vive (sempre viveu em Lisboa).
É um dos membros-fundadores do Livre, tendo aderido ao partido “pouco depois da sua criação” e “atraído principalmente pela mensagem europeísta e pela vertente ecologista”, segundo conta na autobiografia disponibilizada pelo partido. É advogado de profissão, mas deixou o escritório onde trabalhava para ser funcionário do Livre e é atualmente um dos quatro deputados que o partido tem na Assembleia da República, depois de ter sido o cabeça de lista por Setúbal.
Mas antes de chegar aqui já era deputado municipal em Lisboa, eleito em 2017 na candidatura que juntou o PS, o Livre e o Movimento Cidadãos por Lisboa. Diz que sempre se considerou de esquerda mas que, até aparecer o Livre, nunca se tinha sentido “representado pela esquerda autoritária nem pelo centro-esquerda”. No partido, este membro fundador faz parte da direção e tem sido um dos membros mais ativos na manutenção do partido, mesmo durante o período mais difícil da afirmação do Livre. É candidato pela lista A ao Conselho de Jurisdição.
É de Amarante, viveu fora do país desde 2008, trabalhou em Bruxelas nas instituições europeias, é licenciado em engenharia do Ambiente e tem um doutoramento em Filosofia Social e Política, mas também escreve ficção e já publicou duas BDs. Tem um passado de militância política ligado ao PS, no tempo da liderança de José Sócrates, mas foi no Livre que Jorge Pinto entrou na política, logo na fundação e integrando nessa altura a direção nacional do partido. Hoje faz parte da Assembleia do Livre.
Em legislativas já foi candidato em 2015, pelo círculo da Europa e desde então pelo Porto por onde acabou por ser eleito deputado nestas últimas legislativas. Num perfil publicado pelo Observador em janeiro 2022, identificava os seu “três grandes momentos definidores: a luta do povo timorense, o acidente do Prestige e a candidatura de Giuliano Pisapia à câmara de Milão” (que fez Berlusconi perder o seu reduto eleitoral em 2011).
Foi um dos co-autores do livro “Rendimento Básico Incondicional – Uma defesa da Liberdade” e autor do livro “A Liberdade dos Futuros”, onde diz “desenvolver o conceito de eco-republicanismo, a sua visão de liberdade e sobre como uma política assente na promoção da autonomia pode contribuir para uma sociedade mais justa num planeta sustentável”. Em Bruxelas era um membro ativo em várias cooperativas, onde se incluía um supermercado-cooperativa onde tanto podia estar como caixa como na reposição de stock.
Está no centro da maior polémica na vida interna do Livre desde a saída de Joacine Katar Moreira — e é também o protagonista do Livre nas próximas eleições, mesmo que parte do partido não concorde com a escolha. O processo de primárias abertas que o Livre instituiu para escolher os seus candidatos a eleições trouxe, desta vez, um resultado inesperado: Paupério ganhou, com grande popularidade entre pessoas que simpatizam mas não são membros do partido, o que quase levou o Livre a mudar as regras a meio do jogo.
Recuou, mas na sua Assembleia (órgão máximo entre congressos) o Livre voltou a mostrar-se partido: houve 13 votos a favor, 18 abstenções e seis contra. De qualquer forma, Paupério é, com apenas 28 anos, o cabeça de lista do Livre. Muito popular no Twitter, é natural de Leça da Palmeira, biólogo, e está atualmente a fazer um doutoramento em Biologia Integrativa e Biomedicina no Instituto Gulbenkian de Ciência.
Faz também parte de várias associações e comunidades dedicadas aos temas do Ambiente e da ação climática, definindo como temas prioritários “a proteção ambiental, a justiça intergeracional e a confiança nas instituições”, sobretudo com foco na União Europeia.
A segunda candidata do Livre às europeias é professora há trinta anos. É natural de Valongo e vive em Lousada, onde coordena, no agrupamento de escolas, uma disciplina que já motivou várias batalhas políticas: Cidadania e Desenvolvimento. Está na política ativa desde 2019, quando concorreu, então como independente, para as eleições primárias do Livre para as legislativas, e meses depois para as europeias desse ano.
Em 2022 fez mesmo parte da lista de candidatos pelo Porto, passando também a integrar o núcleo local do Porto. Escolhe como prioridades o combate ao populismo de extrema-direita, que “alastra e ludibria os mais desprevenidos, frustrados e revoltados”, e aos preconceitos contra minorias, prometendo também estar em “todas as lutas” na rua, “seja em marchas feministas e LGBTQI+, seja em manifestações pela habitação, pelo clima, pela educação pública e pelo SNS.
É o primeiro rosto da lista B, a lista minoritária que, desde o último congresso, já integra a direção. Apesar de ter surgido para fazer concorrência à lista A, da qual fazem parte os deputados e dirigentes mais conhecidos, no partido garante-se que aqui não há grandes divergências de fundo, nem um clima particularmente crispado entre as duas correntes.
Natércia Lopes tem 32 anos, nasceu e cresceu em Portugal mas chegou a viver no Reino Unido, para se formar e doutorar em química-física, onde testemunhou de perto o Brexit — “fui entendendo como um projeto de divisão da sociedade ferve em fogo lento até rebentar, às vezes sem que quase ninguém dê por isso”, escreve sobre esses tempos — , o que a levou a sentir uma proximidade maior à política.
Em 2019, leu os programas dos partidos de esquerda e decidiu votar Livre; depois das presidenciais de 2021, fez-se militante; em 2022 já era cabeça de lista pelo círculo eleitoral da Europa e nas eleições deste ano foi a segunda candidata por Santarém. Anos “curtos, mas intensos”, diz a própria. Hoje em dia é investigadora no Técnico, vive no Entroncamento e é descrita como uma pessoa “muito envolvida” no partido.
Um “cosmopolituga” e “antropólogo amador” (embora licenciado em Engenharia Mecânica) de 41 anos, que se fartou de trabalhar no “mundo corporate”. É assim que João Manso, primeiro candidato pela lista C, se apresenta a estas eleições internas, depois de uma experiência curta na direção do partido — era da lista B, por onde entrou no último congresso, mas acabou por sair, na cisão que dá agora origem à lista C.
É descrito como um “horizontalista” — defende que as decisões partidárias sejam tomadas de forma mais horizontal e menos hierárquica — e diz que a sua motivação principal é o “aprofundamento democrático radical”, ideia que inspira a moção da lista C, onde se defende a “efetivação do conceito de poder partilhado”.