Depois disso, para lá do episódio em torno da redução do IRS, já houve vários momentos em que Luís Montenegro perdeu o controlo da narrativa política e mediática porque decidiu ficar em silêncio (e impor o mesmo aos seus mais próximos). Logo à cabeça, a nomeação de Patrícia Dantas como adjunta de Miranda Sarmento, contratação que não durou um dia e caiu em virtude de um processo judicial que é publicamente conhecido há um par de anos e já mereceu uma série de notícias.
Para lá deste caso e da ameaça que paira sobre o ministro Miguel Pinto Luz (nesse caso, por uma investigação judicial que só agora foi tornada pública e por uma escolha de secretária de Estado que está a merecer críticas), houve irritantes que atrapalharam o processo de afirmação de Montenegro — e que poderiam ter sido evitados ou contornados. Logo a abrir, a novela sobre a inclusão ou não da Iniciativa Liberal no Governo de Montenegro.
Durante duas semanas, os liberais, incluindo Rui Rocha, fizeram vingar a tese de que foram eles que não quiseram fazer parte do Executivo porque estavam mais preocupados com as ideias do que com lugares ministeriais. Ou seja, Montenegro ficou de mão estendida e Rui Rocha saiu como o único que pensou no país e não nos cargos políticos — algo que não corresponde inteiramente à verdade, como explicava aqui o Observador. Mesmo tendo ficado essa ideia, a ordem foi sempre para não reagir – os sociais-democratas preferiram não abrir feridas porque sabem que precisarão da Iniciativa Liberal para a legislatura. E momentos houve em que o “excesso de protagonismo” de Rui Rocha irritou e muito o PSD.
Apesar de ter passado pouco mais do que um mês desde a ida às urnas, este foi sequer o único exemplo. A eleição de José Pedro Aguiar-Branco como presidente da Assembleia da República foi um caso paradigmático de como o silêncio atrapalhou mais do que ajudou: na véspera dessa eleição, André Ventura garantiu publicamente que havia um “acordo” entre PSD e Chega para a eleição de um vice-presidente da Assembleia; a partir desse momento, a direção do PSD foi imediatamente confrontada por vários jornalistas com a existência do tal entendimento e se esse alegado pacto não violava o “não é não” de Montenegro a Ventura.
Ainda assim, a opção foi sempre não responder oficialmente porque se entendeu (e entende) que o líder do Chega aproveitará cada momento mediático para se colar ao presidente do PSD e que responder a cada um desses momentos será fazer o jogo de Ventura e alimentar o peditório do Chega. Resultado prático: não só se instalou a ideia de que havia um acordo (que não havia), como Ventura ainda conseguiu criar a ideia de que o PSD tinha violado esse suposto acordo.
A forma como foram geridas e comunicadas as negociações para desfazer o impasse não foi muito melhor. Os sociais-democratas permitiram que Pedro Nuno Santos o anunciasse primeiro e, só depois e à pressa, apareceu Joaquim Miranda Sarmento a explicar aos jornalistas que José Pedro Aguiar-Branco ficaria durante dois anos e que depois o PS teria direito a indicar o seu candidato – sem responder a perguntas dos jornalistas. Para o filme daqueles dois dias, ficou a ideia (nunca desmentida) de que Pedro Nuno Santos foi o grande responsável pela solução encontrada e a imagem de uma coligação que começou ainda mais coxa, sem capacidade para fazer aprovar um presidente da Assembleia da República, quanto mais um Orçamento do Estado.
O silêncio como arma política seria mais compreensível se a base de apoio do Governo no Parlamento fosse mais sólida – coisa que não é, reconhece-se no Executivo. Luís Montenegro depende do apoio parlamentar de Pedro Nuno Santos ou André Ventura se quiser sobreviver para lá do próximo Orçamento do Estado – ou governar por duodécimos, com todos os riscos políticos associados. Agora, mesmo sabendo (porque vai sendo assumido por quem pensa a estratégia da Aliança Democrática) que o desejo de Montenegro, também aqui, é repetir Aníbal Cavaco Silva e partir de uma minoria, vitimizar-se com as forças de bloqueio e crescer em futuras eleições, importa evitar erros não forçados e não perder o foco.
Sob pena de se perder, precisamente, o controlo na narrativa política e mediática: se quer ser bem sucedido, Montenegro tem de aparecer e sair deste impasse como vítima e não como responsável por uma crise política que quis a todo custo evitar. Não foi exatamente isso que aconteceu antes, durante e depois da discussão do Programa do Governo. A escolha das 60 medidas (algumas delas inócuas) dos outros programas eleitorais foi recebida como uma provocação por parte da oposição. A forma como Montenegro recuperou a ideia que tinha levado para a sua tomada de posse (a pressão evidente sobre o PS) irritou de sobremaneira os socialistas. E o bate boca que marcou os dias dias de debate não ajudou a fazer valer a tese de que este Governo está empenhadíssimo no diálogo.
Os termos utilizados na reação à polémica sobre a redução do IRS (e a própria controvérsia em si) parecem ter, para já, dinamitado as frágeis pontes que podiam existir — até a Iniciativa Liberal se demarcou de Montenegro. E o Governo parece ainda não ter encontro o tom certo para enfrentar o novo ciclo. No mesmo debate sobre o Programa do Governo, no Parlamento, Paulo Rangel, ministro de Estado e do Negócios Estrangeiros, pediu que se parasse com a “discussão quase bizantina e bastante moralista sobre defeitos, vícios e virtudes” e que se deixassem de lado as “quezílias retóricas”. O aviso não era só para o PS ou Chega – era também para dentro de casa.