As palavras de Ricardo Leão relativamente à recomendação do Chega para que quem comete crimes, depois de provados, seja despejado de casas municipais continuam a gerar polémica. Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, considera que “um regulamento municipal não pode nunca introduzir penas acessórias”, contrariando a opinião do presidente da Câmara Municipal de Loures, também do PS.
Na rede social X, antigo Twitter, a socialista escreveu que “determinar a aplicação de penas acessórias a quem comete crimes, mesmo após o trânsito em julgado, é uma opção exclusiva do legislador e, mesmo assim, muito limitada pela Constituição”. Pelo que, acrescentou, “um regulamento municipal não pode nunca introduzir penas acessórias, sobretudo quando ponha em causa direitos fundamentais e princípios como a dignidade da pessoa humana e a proporcionalidade”. “E ainda bem que é assim”, rematou.
Determinar a aplicação de penas acessórias a quem comete crimes, mesmo após o trânsito em julgado, é uma opção exclusiva do legislador e, mesmo assim, muito limitada pela Constituição. Um regulamento municipal não pode nunca introduzir penas acessórias, sobretudo quando ponha em…
— Alexandra Leitão (@Alexandrarfl) November 1, 2024
Também a deputada socialista Isabel Moreira tinha dito que a recomendação aprovada por PS e PSD era “inconstitucional” e ainda “antes disso: imoral”.
Na sequência da notícia, João Costa, ex-ministro da Educação e militante do PS, criticou duramente as declarações do autarca de Loures num artigo de opinião no Expresso, acusando a autarquia de Loures de querer “instituir penas acessórias, que, no caso, passam por remeter para a mais absoluta indigência o criminoso, retirando-lhe o direito fundamental à habitação”.
“Que esta ideia peregrina tenha partido da cabeça de um deputado do Chega não surpreende. Faz parte do ideário deste partido. As soluções fáceis para problemas complexos são a fórmula do populismo. Que PS e PSD vão atrás disto é assustador. Loures já nos deu o pai do populismo antissistema há uns anos. Não precisamos de mais e, sobretudo, é preciso que os outros partidos saibam que o original é sempre melhor do que a cópia, pelo que há riscos para o seu futuro eleitoral se não mostrarem que é possível pensar e agir de forma diferente”, escreveu o ex-ministro socialista.
Recorde-se que o PS e PSD em Loures aprovaram uma recomendação do Chega ao município para que o regulamento de habitação passasse a dizer que deve ser dada ordem de despejo das casas municipais quando é provada a participação e/ou incentivo de crimes por parte dos arrendatários.
Na reunião da Câmara Municipal de Loures, o vereador do Chega, Bruno Nunes, apresentou uma recomendação, no seguimento dos distúrbios em várias zonas de Lisboa após a morte de Odair Moniz, para alterar o regulamento de habitação do município onde propôs o seguinte: “Como forma de dissuadir a prática de quaisquer tipo de ilícitos, por parte dos arrendatários das habitações municipais que, ao ser provada a participação e/ou incentivo nestes ilícitos, que seja dada imediata ordem de despejo.”
Ricardo Leão, presidente da Câmara Municipal de Loures, pediu a palavra para argumentar e concordar com a mudança do regulamento de habitação, sublinhando que quem comete crimes como os que aconteceram no seguimento da morte de Odair Moniz, que foi baleado pela polícia, não pode ter direito a casa municipal. “É óbvio que não quero que um criminoso que tenha participado nestes acontecimentos… se for ele o titular do contrato de arrendamento é para acabar e para despejar. Ponto final parágrafo e é bom que este regulamento permita isso, e permite, no entanto é melhor revisitar. Quem é maior de idade, é titular de um arrendamento na habitação municipal de Loures e seja comprovado que participou nestes atos é para retirar a casa, ponto final parágrafo, sem dó nem piedade“, frisou.
Loures. PS e PSD aprovaram recomendação do Chega para despejar de casas municipais quem comete crimes
No dia seguinte, na sequência das críticas, até vindas do próprio partido, Ricardo Leão assegurou que se referia unicamente a “casos transitados em julgado”, sublinhando que “nunca o município se deve sobrepor ou substituir ao poder judicial. Nem nunca o fará”, acrescentou numa nota enviada à imprensa.
O socialista garantiu que as suas declarações “foram no sentido de penalizar a conduta criminosa de quem colocou em causa a segurança de pessoas e bens” e não recuou no que à votação diz respeito. “Sempre me pautei, desde o início do mandato, por uma política de justiça, rigor e transparência na gestão da habitação municipal, fazendo com que, por um lado, se exija o cumprimento dos deveres e direitos de ambas as partes”, referiu no comunicado enviado às redações.
O autarca, que pretendia com estas declarações “encerrar esta polémica”, garantiu ainda que a Câmara Municipal de Loures “tudo fará para cumprir o Regulamento de Habitação do Município de Loures, no que concerne aos deveres de conduta dos inquilinos, sem nunca tomar medidas que violem as leis da República ou a Constituição”.
“Nunca o município se deve sobrepor ao poder judicial”. Autarca socialista modera discurso sobre despejo de criminosos