Portanto, os americanos tiveram de desviar o olhar para um governo que está mais ligado a eles e dirigir as energias para aí. Nesse sentido, é saudável. Motivou as pessoas a compreenderem que é preciso conhecer os legisladores estaduais, compreender os processos, estar presente, fazer alguma coisa.
Quando fala sobre deceção, podemos olhar para o Supremo Tribunal, que aprovou a reversão do Roe v. Wade? Em maio de 2022, um mês antes desta decisão, 61% dos americanos diziam que apoiavam o direito ao aborto. Neste caso, o governo federal, incluindo o Supremo Tribunal, está desligado da realidade do povo americano?
Odeio dizer isto, mas o Supremo Tribunal sempre esteve desligado da realidade do povo americano.
Mas o Roe v. Wade durou 50 anos…
E conseguiu permanecer precisamente por causa da realidade dos americanos. Com [o caso] Casey [1992] mudaram a estrutura de Roe de uma estrutura trimestral para uma que tivesse mais detalhes e considerasse os dois interesses em jogo — a “vida da mulher” e a da “criança por nascer”. Mas a juíza [Sandra Day] O’Connor e os seus colegas não conseguiam ver uma América onde algo tão profundo fosse novamente discutido. Depois temos a juíza Ruth Bader Ginsburg, que durante toda a sua carreira falou sobre Roe como algo que possivelmente causava um curto-circuito na vontade do povo. Por vezes, quando inscrevemos ou retiramos direitos da Constituição, ignoramos a vontade do povo. O trabalho do tribunal é tentar interpretar a Constituição. Esta é uma questão muito difícil, porque respeitamos algo a que chamamos stare decisis — a ideia de que a lei não deve ser como uma bola de pingue-pongue, deve ser estabilizadora.
Por outro lado, temos também no nosso esquema constitucional que o bem-estar geral das pessoas pertence aos estados. E isso foi particularmente genial, porque significava que um governo mais próximo do povo seria responsável perante o povo. Mas, muitas vezes, o governo não vem ao encontro [das pessoas], quer um acordo único no Congresso. Infelizmente, é um esquema profundamente desconfortável, porque me parece errado que algo tão pessoal como o aborto, a saúde reprodutiva, possa estar concentrado [no poder federal]. No Missouri, não há acesso. E depois, no Illinois, [as pessoas são] livres de fazer o que quiserem.
Eu ensino Direito da Família. Sabemos que as definições de casamento mudaram radicalmente de estado para estado — não me refiro ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, constitucionalizado em Obergefell —, mas, por exemplo, [na Vírginia] não se pode casar com o primo. Mas pode passar-se a fronteira até à Virgínia Ocidental e casar com o primo.
Estas diferenças entre estados tornam-se mais mais profundas? Um estado azul vai ficar mais azul e um vermelho mais vermelho? Teremos posições mais polarizadas?
O país, em alguns temas, está a tornar-se mais polarizado. Mas noutros uma experiência num estado estende-se a todo o lado. Um exemplo é o primeiro estado a ter o divórcio sem culpa, a Califórnia. A azul Nova Iorque foi um dos últimos estados a ter um divórcio unilateral sem culpa, porque há muitos casais ricos e foi uma tentativa de forçar esses casais a concordar com a dissolução do casamento, especialmente sobre a divisão do dinheiro. Agora todos os 50 estados têm divórcio sem culpa. Acho que sobra só um que obriga os dois lados a concordar, o Missouri, muito religioso e conservador.